segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A MINHA MÁQUINA DO MUNDO


Relanceio o relógio, distraída. 17:17. Opa!
Então encaro, estupidificada. Pela primeira vez, não sei o que pedir.
Trata-se do seguinte, explico: se você olhar para o relógio e ter a sorte de encontrar os mesmos números na casa das horas e dos minutos, é o universo que está sendo bondoso e te dando a chance de pedir qualquer coisa que você queira na vida, bem ali, naquele momento. Não há dúvidas quanto à realização do pedido. O método é infalível. Mas existem variações de sua aplicabilidade.
Por exemplo: para alguns, as horas siamesas são unicamente o indício de que alguém pensa em você. Quase aquela coisa das orelhas que esquentam, porém um tanto mais romântica. E há ainda os que vão além, acreditando que olhar a hora repetida é prenúncio de que o amor que você sente por alguém se faz correspondido, e que vocês dois acabarão se casando dali a uns anos, em plena primavera, tendo três filhos, um poodle fedorentinho e um apê atulhado de livros numa metrópole qualquer – corrente de pensamento adotada sobretudo nas raias da quinta série.
Mas eu, euzinha, eu particularmente sempre, sempre preferi acreditar que ter a sorte de olhar as horas no momento exato em que são marcados os mesmos números é a gloriosa e indiscutível chance de pedir o que for, seja de qualquer universo ou tamanho, material ou invisível. Bastava ser dizível. Assim me parecia muito mais generoso, e não custava mesmo nada...
Então, ao longo dos anos, meus fervorosos pedidos variaram entre as coisas mais loucas e as coisas mais simples, porém sempre desejadas – e imediatamente cridas – com um fogo galopante e olhinhos estreitados.
Minhas ambições iam desde "que eu vá bem na prova de amanhã! " até "que eu vá pro céu quando eu morrer!", ou mesmo "que a conversa séria que a mamãe disse que ia ter comigo hoje não seja nada!" e "que eu ganhe um violão este ano!", ou ainda "que eu seja uma escritora um dia!".
Então, de repente, cá estou, 20 anos. 17:17. Não posso escapar. É a minha bênção, a minha missão, é o meu momento, é o meu pedido. E olho para a hora, e não me ocorre nada, nadinha de nada. Nada dizível. Aquele inarticulado, impassível hiato na mente é estranho e um tanto assustador. Deu tela azul. Pam!
Não consigo pensar em qualquer coisa que eu deseje mais, bem acima de todas as outras coisas que eu desejo ao mesmo tempo. Daí meu coração e a minha mente vão se dando conta, naquele átimo, de que algo acontece, algo aconteceu. Há em mim um caos de vontades simultâneas. Não mais aquela lealdade da infância a uma ideia fixa.
A mudez mental diante do relógio não existe por não existirem mais os desejos. Ela existe porque, de algum modo, a essa altura, tornou-se difícil demais organizar e estabelecer a hierarquia das vontades... Todas elas se colidem e se massacram, e nenhuma enfim alcança nobreza ou convicção suficientes para se fazer vencedora.
Me encerro no silêncio. Primeiro, há só uma pequenina melancolia, já companheira minha. Depois, uma impassibilidade docemente melancólica. E vejo, com resignado desamparo, minha hora mudar para 17:18. Lennntamennnte... Leva consigo, ofendida e melindrada, a primeira e única janela temporal de sorte que não abri e de que não desfrutei. Suspiro, olhos perdidos. Ombros quedados. Volto aos trabalhos.

sábado, 15 de novembro de 2014

POEMA DO DESAMAR DORIDO ou UM AMOR BOSTA

Queria te superar como uma ameaça de resfriado, 
um breve adeus com a Coristina. 
Ou mesmo como uma dorzinha de cabeça no fim do expediente, 
curável com uma dose de sono e uma Neosaldina.

Mas vou te superando aos poucos, 
como uma dor de barriga 
com diarreia:

Sofro no processo. 
Te lembro de par em par de hora, 
com mal-estar.

Contudo, aos poucos, vou me limpando. 
E de explosão em explosão violenta 
de merdas mil variadas, chego lá 

Me curo. 
Seja nessa semana já 
ou na próxima.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

TUDO SUSPENSO

Na aula de Educação e Cinema, sem conseguir me concentrar. Vontade de chorar estranha, porém a conheço bem. Quero estar na minha cabeça e ao mesmo tempo fugir dela. Essa agonia de paixonite frustrada oprime. Preciso escrever para dar sentido a tudo isso... Ou na verdade esvaziar o sentido de tudo. Se não significar mais nada, estarei bem.
Não tenho fome. Não tenho vontade de lutar pelos trabalhos atrasados da faculdade. O semestre está quase no fim, mas há ainda um tanto a fazer. Não quero... Não me sinto no clima. Não desejo sair, não quero partir. O que quero não posso. Quero ficar e ter e ver e sentir e provar. Que estou certa em pensar que estou errada, mas estando errada me realizaria tanto...
Não posso pensar assim!
Confusa, é o que estou. Não, na verdade, muito convicta (de que o que eu quero não pode ser). Mas continuo querendo... Minha mente segue sem descanso em desvarios persistentes.
Que mais? Passam agora ali no quadro um vídeo em espanhol. Ninguém entende nada. Algo sobre edição de áudio. Suspiro.
Totalmente compreensível, assim, que eu me volte para mim mesma, desatenta ao mundo, perdida em palavras, perdida nos meus arremedos arruinados de sentimentações...
Minha mente fervilha. Socorro! Quero fugir de mim em mim. Poderei? É irrefreável vontade. Quero me entocar aqui dentro, mas, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo em que a prisão mental me conforta, com suas ilusões tão doces e seus eflúvios langorosos, lúbricos, sei que me fará muito mal permanecer nela. Beiro o caos. Gosto dele. Contudo há de me tragar. Tremo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

QUEM SOU EU

Paragrafação escrota, prazos estourados, não fala palavrão, só mesmo no texto literário. Textinhos melecados escritos na telinha apertada e angustiante do celular. O criado-mudo abandonou a TV, esta foi para o chão, e ele agora ao lado da cama, mil sonhos mil projetos mil planos arquitetônicos sobre ele projetados, permanece apenas e unicamente atulhado, cheio de poeira, inútil em seu excesso de utilidade provisória e indispensável. Come, come, come. Engorda gradualmente a cada ano uma gordura definitiva. Não para de comer porque não se privará de nada. Um dia, se assusta, quem sabe. Teve aquele livro que fez o coração doer por mais tempo que deveria por um amor que não durou muitos meses mas que foi sofrido como um divórcio. O amor era paixão e como toda paixão se curou. Fica o livro. Para sempremente amado. Nunca lido mais de uma vez. Este ano, quem sabe. Há expectativas mil. Mas o medo da perda do herói... A perda do herói... Melhor nem pensar nisso. Aguardemos o dia 19. E a praia, rola? Quem sabe... Quem sabe... Tinha um sonho ali dentro que era: conseguir passar uma semana inteira sem perder pelo menos um amor, uma lágrima e uma certeza. Na quarta, morreu de alegria. Na quina da noite da quinta à noite, chorava, já envergonhada de não ter conseguido levar a bandeja com as taças de cristal por muito tempo antes de derrubar tudo. Ao mesmo tempo, se intriga... Que mistério é esse que faz surgir tanto medo na hora de transportar as taças, se estar perto dos cristais é coisa tão maravilhosamente linda de se ver e de se estar e de se ter? Não, não tem nunca. Sempre as quebra. Comprou algumas coisas. Mas é claro que a alegria efêmera se esvaiu. Estava olhando alguém no ônibus e de repente percebeu que aquilo era cansativo e não importava. Saiu com um peso a mais, e um peso a menos. Mas um a mais, sempre tudo assim doendo tanto muito que chega a ferir de verdade, e olhar e ver que é sempre a mesma lengalenga. E a paragrafação escrota? Reclama tanto, e se contorce, mas não muda nunca.

POR UM FIM

Não vivo o momento mais contente nem mais produtivo da minha vida, mas há aqui, exatamente nessa tristeza inapta, desgastada e estéril, algum potencial para um brilhantismo meio tosco e manco. Adoravelmente rebarbado contra o mundo e contra mim mesma.
Sobrevivo. Tenho amigos, compro livros, como bem, durmo à noite.
Mas às vezes não durmo, e nenhum braço me acolhe. Não conto tudo a todos e de certo modo ter segredos é como não ter amigos. Os livros que compro empilham-se, intactos. Não consigo ler. Pulo refeições. Às vezes a cabeça dói porque eu simplesmente não tive vontade de dar ouvidos ao estômago.
Enfim.
É uma vida boa, esta minha, porém despida de muito que seja vida abundante. É uma vida que me cabe. Mas me aperta.

VAGABUNDAMENTE

Que eu tenho um coração vagabundo, que se rende fácil e se vende por qualquer trocado de afeto, isso lá não é novidade. Agora, ainda mais, veio essa vontade tonta de fazer besteira. De enlouquecer, de gritar, de me revirar. Vontade endoidante de não ser mais eu, mas ser eu sendo outra. Outro ser, outra coisa que desconheço - sem limites, sem pudores.
Minha mente dá corda à vontade... Devaneia.
Meu coração, porém, é muito mais prudente do que minha razão.
A minha razão dá razão ao corpo - ele quer e pronto, está com a razão!
Mas meu coração é prudente, vai me freiando. Meu coração é prudente porque tem medo.
Então não é ele que se vagabundeia... Quem vaga por aí sem dona é minha mente: danada!
Só agora conheço realmente meu coração. É fraco, pobre e só, mas tão convicto de ideais românticos que foi catando pelo lixo, que nem a minha perigosa mente sabe demovê-lo.
Ah, mas tenta...
Aprendi, afagando-os igualmente, a contê-los. A suportá-los, pelo menos. Minha cabeça e meu coração. Afinal, todos os dias, em todos os segundos, frenéticos, cá estamos, delirando ou temendo.
Os dois não se entendem. Eu observo. Que espécie de loucura é esta em que não tenho voz dentro de mim mesma? Eu sou eu mas só observo. Quem é eu e quem me faz é meu coração. Medroso, medrosinho... Infeliz, melancólico e inseguro. Muito, muito sério. Suspira às vezes, porém. E é nesses momentos que a minha cabeça desajustada quer reinar. Sorte é que meu coração não deixa: tem medo.
E eu vivo nessa prisão feita de artérias e neurônios. Meus mais refinados músculo e órgão brigam entre si e minhas entranhas sofrem, retorcidas. E eu, onde estou? Perdida por aqui por dentro... Observadora neutra, sofrida. Sou ping pong dos meus desejos e dos meus freios. Sou a maldita bola. Não consuma ponto algum porque o coração não deixa. Mas, veja só, ainda assim, está no jogo!
Minha mente me arma armadilhas... E mesmo desistir do jogo seria dar a essa cabeça sacana e despirocada uma vitória bastante satisfatória. Ela me olharia, a minha mente, e debocharia de mim, que não perdi nem venci, só deixei de brincar, eu amorfa, seca e paralisada.
Eu até me uniria a meu coração, para derrotá-la de vez. Mas é que meu coração só tem medo, só medo. E viver pelo medo é pior do que não viver absolutamente. Então estou assim: não vivente. No limite, na tensão, na fronteira entre ceder àquilo que quer minha mente e resistir ao que afronta meu coração.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

INAUGURAÇÃO

Ter conseguido finalmente instalar no cel o app do blogspot e descobrir que nada aqui é confortável, e que não me cabe, e que, no espacinho claustrofóbico da postagem, eu não me encontro.

domingo, 5 de outubro de 2014


ESTOU GUARDANDO O QUE HÁ DE BOM EM MIM

pãrãpãpã pãrãrãrã tãrãrã...

Era o jardim molhado, limoso
Calçadas caminhos de pedra velhas esverdeadas úmidas
odoríferas florestas mínimas, deslizantes
E os outros cheiros e sons de Dezembro
O sol molinho, molezinho de uma véspera
E a antecipação... A doce angústia
Um não sei quê de esperar um sabe-se lá quando
Tão doce, tão doce sofrer e existir
- se fosse ali
E os sons, então
Era Roberto Carlos, A Volta
Ou mesmo Detalhes
Ou mesmo As Canções que você fez pra mim
E eu já não mais me sentindo tão fajuta por curtir Roberto Carlos
Era um barato intransponível
Que meus tios do rock não soubessem
Nem os primos
Mas era tão doce, tão doce aquela tarde
Ali o céu escurece sem escurecer
É aquele sol que amarela e então doura e então explode num laranja tão profundo e ao mesmo tempo tão suave... e deságua lentamente num cor-de-rosa meigo e apaixonado
E purpúreo vai escorrendo pelas bordas...
E as bordas encontram as bordas do rio...
Não é rio, é lagoa
Era a lagoa.
E o bacurau - que descobri não, não ser bacurau, mas carão
Mas ainda assim às vezes os nomes em mim se trocam
E o carão, longe, canta
Nunca o vi mas ele estará em mim para sempre
Mesmo que não possa ser visto nem ouvido nos textos que eu escrevi e nos murmúrios que rolarem dos meus olhos ele existiu um dia?
É claro que sim!
Aquele lugar... Aquele lugar terá existido para sempre...
E eu, com bordas douradas um dia... Douradas de velha... Serei? Serei tão pura e tão plena e tormentosa quanto aquele céu?
E agora eu sinto, mesmo não estando ali, que a vida escorre tão melancólica
E MAGNÍFICA
E impiedosa
como aquele céu de douradores em dezembro...

HUNRRF... ARRN...

Existem as coisas difíceis que eu amo, e me lanço a elas. Existem as coisas difíceis que são insuportáveis, impossíveis de aprender. Existem as coisas difíceis que começam difíceis e depois se mostram tão mais fáceis - você evoluiu, cresceu, melhorou-se. Existem as coisas difíceis hostis - não domáveis, nem mesmo silenciosamente enigmáticas, mas ferozes. Existem as coisas que eu não entendo, e aceito. Existem as coisas que eu não entendo, mas aceito. Existem as coisas que eu não entendo e nem aceitarei. Existem as coisas que eu não entendo. E eu e ela existem. E mesmo assim uma anula a outra. Existem em mim vontades, mas coisas que jamais farei. E ainda assim já mais farei das coisas que eu pensava impossíveis. Existem eu e meus medos e meus desejos e minhas falhas e impraticabilidades e procrastinações e grunhidos. Existo eu. Tantas coisas...

domingo, 18 de maio de 2014

UNGRATEFUL CHILD

Eu me sinto tão angustiada e apreensiva nesse momento, mas pela primeira vez em muito tempo não sei por quê... E de uma forma estranha, em alguma parte da minha mente, eu sei. Mas deixo os pensamentos vagos flutuarem com as respostas criptografadas, e vão para muito longe da minha própria consciência, embora sobre a superfície naveguem, porque assim eu as retenho, mas não as conheço, uma vez que eu realmente não quero saber o que eu de algum modo sei que sei.


Ou
a busca involuntária por uma perpétua insatisfação na vida.

domingo, 27 de abril de 2014

IMENSOS PEQUENOS PRAZERES DA VIDA

lembrar um precioso esquecimento, neosaldina depois de uma estafante batalha dentro do crânio, frappé, drummond, o cabelo de alicia silverstone nos anos 90, o estilo e as metáforas de laurent brancowitz, amar um homem mais velho, poder conversar sobre qualquer coisa com um grande amigo, pessoas que prestam atenção ao que você diz, aragorn, músicas maravilhosas descobertas ao acaso, cafuné no cabelo, reler livros já lidos mil vezes, não precisar falar ao telefone, um brigadeiro que forma aquela casquinha áspera e crocante sem querer, as trilhas sonoras de sofia coppola, as ideias insondáveis de david lynch, autossarcasmo, alfajor, nhoque da vovó, o esmalte bikini so teeny que eu nunca vou ter, botas de couro masculinas de cano curto, lana del rey, o pop mais ou menos marginal, edward hopper, ed ruscha, michael fassbender, alguém matar pra você a barata, ouvir los hermanos mesmo depois de tanto tempo, aprender a letra da sua mais nova canção favorita, listas de filmes, listas de livros, listas, charlotte brontë e suas circunstâncias hoje revividas em quem não pode doer, pessoas que não cobram, fotografar randomicamente e ver dar certo, dizer "belly", dizer "frolic", dizer "fromage", dizer "huge", dizer "mouth", dizer "cornija", artistas falsamente despretensiosos que fazem grandes coisas, gente que não arrota, refrigerante sem gás, colagem, cheiro de mãe, abraço de irmã, sentir a prosa de gabriel garcía márquez entranhada na pele, ser elogiado por algo que não sabia que era ou que fez, não ter pelos, ficar horas debaixo do sol sem pretextos nem julgamentos, gente que gosta de sol tanto quanto você (so far, apenas luciana, personagem de loyola), "o beijo não vem da boca", amor de vô e vó, mães que ficam, saber cantar e ter voz linda, saber compor e saber tocar, lutar produtivamente contra a procrastinação e - maior ainda - contra a postergação, uma aula de bruno sérvulo, uma aula de ulisses infante, cápsulas do tempo, pequeninos legados mesmo imateriais (de preferência materias, como uma coleção de discos de jazz), discos de jazz, discos em geral, aprender a apreciar músicas sem letra, primas-irmãs, primos-irmãos, o canto do carão à beira da lagoa, o céu de fim de tarde de macapá, o cheiro de chuva subindo da terra de madrugada, óculos de aro de tartaruga, anos 80 mitigados pela maquiagem do tempo, (algumas) roupas dos anos 90, as primeiras três temporadas de friends, mônica e chandler, banana (não dá trabalho e dá alegria, segundo a mamãe), a primeira leitura mágica da sua vida, gente que sabe de vírgulas mas não tem medo de ousar, feriado às segundas-feiras, blush, gente que se apaixona pelas coisas que você indica, gente que lê seus textos porque gosta, ter conversas sinceras com Deus, descobrir na prática o que é ser "assertivo", "i don't think this place is half as nice as tiffany's", "one time too many", "purple rain", o molho do big tasty, escrever sem pressão, mulheres que assumem a juba encaracolada ou disforme, saber o significado das palavras em suas gradações, batom matte (quando o lábio não resseca), uma simples e franca afeição por kitkat, abajures, ler de madrugada, subir num cajueiro, a essência do perfume paris na vovó, meia-calça preta, mãos, travesseiros gordos, arrepiar-se num frio interno enquanto se está sob o sol, lápis de cor, jogar torto, as cartas de machado de assis, tatuagens inusitadas, tom de voz manso, maría valverde, a elegância e fotogenia de jane birkin, trilogias de nora roberts, jamais entender mas sentir seus autores favoritos, gente que descaradamente prefere literatura à linguística, samuel slabbinck, cabelos coloridos, tons pastéis, cronistas brasileiros, memórias súbitas da infância, mark-darcy-floppy-hair de macfadyen, morrissey, canetas de ponta fina, anéis que cabem perfeitamente, caderno novo, deitar-se no chão, escada de mármore branco da casa da vovó, suco de maracujá, frango frito da mamãe, caixas bonitas, xícaras, pão, camarão, comer devagarzinho, conseguir dormir mesmo sem estar realmente com sono
 [em contínua continuação]
        

sábado, 26 de abril de 2014

NA PRIMEIRA MANHÃ

Na primeira manhã que te perdi
Acordei mais cansado que sozinho
Como um conde falando aos passarinhos
Como uma bumba-meu-boi sem capitão
E gemi como geme o arvoredo
Como a brisa descendo das colinas
Como quem perde o prumo e desatina
Como um boi no meio da multidão
Na segunda manhã que te perdi
Era tarde demais pra ser sozinho
Cruzei ruas, estradas e caminhos
Como um carro correndo em contramão
Pelo canto da boca num sussurro
Fiz um canto demente, absurdo
O lamento noturno dos viúvos
Como um gato gemendo no porão
Solidão

alceu valença

DRUMMOND

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.

domingo, 20 de abril de 2014

FROLIC

A carne acabou ficando muito salgada e por isso imprestável, a solução foi jantar a sobremesa. Um prato assim enorme de brigadeiro e dois adultos ridiculamente rendidos a um prazer tão adolescente. E há idade para isso?
Duas colheres duelavam no campo de batalha, indo pelas beiradas, que era onde estavam as melhores partes, as casquinhas queimadas. Estranho que a disputa não fosse pelo meio, e sim pelas bordas. É que nós dois gostávamos de tudo quanto fosse marginal, porque terminava mais gostoso, crescendo à mercê do capricho, da rebeldia, da liberdade de não ser o centro da atenção.
Na época dessa janta, se fazia amor ouvindo Phoenix, e isso era uma coisa para lá de boa. Interromper pra ir trocar o CD. Importante era durar. Era a experiência toda, não o ponto final o ponto mais importante. Bem, talvez fosse e estou mentindo só para deixar bonito e impraticável.
Mas aí então no final depois de tudo consumado e a última faixa ter silenciado ainda ficavam os ecos das canções na nossa cabeça, porque foram experimentadas à exaustão e até o fim da margem do delírio, que é a doce queda. Daí depois a gente assim cantarolava os refrões trocados, ia fundindo os primeiros trechos e depois imitava com a boca aos risos o solinho havaiano de Branco em Lasso. O brilho frólico no rosto na manhã seguinte se lia e já se sabia: fez ouvindo Phoenix.
Mas nas jantas daquela época também tinha outras coisas...
Agora não lembro.
Talvez a gente conversasse bastante e profundamente, mas no final eram tudo besteiras.
Houve aquele fim de semana em que eu não soube mais o que dizer e de repente ficou assim estranho, mas um estranho bom. Era provavelmente o passo à intimidade. Vai-se descuidando das palavras, os silêncios ficam mais significativos, silêncios, só te tocar, e sorrir, a não necessidade de se conhecer. Para quê? Já se conhece. Até o cravo já se tirou.
Toda vez que eu olhava para aquele pontinho preto na margem inalcançável da bochecha, mais assim pra perto da orelha, dava uma vontade danada de enfiar as duas unhas e espremer sem dó! Não. Ainda não havia jeito: não éramos ainda tão ligados. Ainda do clube da porta do banheiro fechada e a luz do quarto apagada, mas o abajur, porque mostra encobrindo. Até que um dia só fiz me aproximar e fiz. Saiu a cobrinha branca e ele foi todo nojo e caretas e eu naquele prazer da asquerosa missão cumprida sem qualquer afetação. Depois nem lembramos, não restou vergonhas: deu certo e era já o império do silêncio íntimo.
Que mais? Amei tão ardorosamente que agora ainda lembro como foi difícil separar os discos quando foi preciso se separar. Sem brigas ou rancores, era só mais um passo na vida e eu odiei a vida e me embebedei loucamente sem entender que se não quisesse era só não ir, não viajar, era ficar, ou levar junto, que fosse. O clichê se mostrou verdadeiro. O clichê é cada vez menos clichê agora porque não há mais quem compre discos e CDs. Eu ainda tenho os meus e ele ainda tem os deles e na hora de a gente dividir a divisão foi tão certa que eu me pego às vezes pensando que deveria ter deixado lá meu álbum favorito só para ter motivos de rancor. Mas não tenho. Às vezes quero voltar, jantar miojo e brigadeiro. Cruzar as quatro pernas, meias no falso frio da noite, conversar na penumbra da sala tomando vinho barato porque sim, é gostoso. Mas isso não se faz com uma criatura aqui e a outra criatura lá no apartamentozinho tão charmoso porque então ainda era marginal ter um apartamento charmoso num bairro deplorável e a vida foi tão boa e simples que agora eu me pergunto qual a necessidade de mudar os móveis de lugar e tomar decisões assim na vida que estava tão boa, e foi uma vida boa sem deixar de ser boa nunca até o momento em que, espera!, vamos parar. Doeu quando tirou a barba e foi tipo isso mil vezes mais e regado a uísque contrabandeado do senhorio do novo prédio nesse novo país estranho e desconfortável.

PROMESSA À SEMENTE

Dar-te-ei os bocadinhos de dor e sofrimento necessários para te fazer irresistivelmente adorável.
[Li em algum lugar um algo assim. Reelaborei. O plágio é sincero: a ideia é doce.]

domingo, 23 de fevereiro de 2014

PULGA REMANESCENTE

A nossa vida é tão cheia de coisa... A nossa vida é um turbilhão. Mas é também um nada. Tanto acontece no curto espaço dum dia. Uma vida muda. Há revolução por dentro. Pensamentos... Os mais confusos, os mais difíceis, os risíveis, os indizíveis.
Emoções. Sensações. Medos. Glórias triviais. Não foram cantados em nenhum poema. Mas são épicos.
Contudo, ao findar da lida, o dia que se esvai, o que é que se lembra dele? O caótico ser diário fica espremido e esquecido naquele curto espaço de tempo. Vira pó da rotina aquilo que fui ontem e o que estou sendo hoje. Desaparece... Perde-se todo vestígio do microscópico espetáculo. Ninguém liga para o tanto de coisas que nos perfuram e nos embalam naquelas vinte e quatro horas.
Mas então depois nos apegamos a umas coisas estranhas... Há desses mistérios. Em que repousa na mente a discussão da semana passada. A palavra, a que calaria o prepotente adversário, vem só muito tempo depois, e é remoída como carne fibrosa ao longo dos dias, retumbando na mente e quase não se apagando, não fosse a necessidade de engavetar novas mágoas e discussões de palavras certas não ditas no furor da batalha.
E perdura também aquela doce e tão viva lembrança do chocolate que se comeu... O recheio ainda canta.
Resta o murmúrio, enfim, de você andando pela estradinha de pedras vermelhas, o fim de tarde no sítio, havia pássaros do lago cantando seu pio lamentoso nas comissuras da boca da noite, e o cheiro da entardescência misturado ao aroma de castanhas de caju sendo torradas ao pé do cajueiro... E era tão pequeno aquele instante!...
E se tornou assim tão gigantesco. Grandioso o suficiente para ser lembrado com um coração que se desmancha num ardor molhado de saudades.
Como explicar? Como explicar as coisas que ficam e as coisas que vão embora?
Por um lado, você nunca conseguiu achar o par daquela meia perdida dentro do tênis, embaixo da cama. Por outro lado, ainda sente a agulha quente sob a pele, perfurando o tênue e rosado dedão da infância, na ânsia de desencavar dali a pulga que se instalou.
E em termos de lembrança não valia a meia muito mais que a pulga?
A meia não achei, tanto a queria, tanto me valia. Era coisa preciosa minha.
A pulga ainda está aqui.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

the greatest

Once I wanted to be the greatest
Two fists of solid rock
With brains that could explain
Any feeling

Lower me down
Pin me in
Secure the grounds