sábado, 30 de novembro de 2013

O HERÓI AMPUTADO

00:49. É mais um dia que começa em angústia. E de pensar que eu costumava apertar aquele cascãozinho de ferida no dorso do pé dele... Eu dormia, durante o tempo que estive em Macapá, no quarto deles. Cobri-los com o edredom, até o nariz. Fazer massagem quase toda noite. Não com óleo de andiroba, que fedia demais, mas com aquele gel geladinho. Eles adoravam. Eu sempre muito impaciente. Fazer massagem doía a minha mão. Mas eu fazia. E, na vez do vovô, lá ia eu, apertar as feridinhas dele. Ele gemia, brincalhão: "Aiai". Fazia careta. Eram uns cascões feios, muito grossos, amontoados de pele seca e morta. Feio especialmente o do peito do pé. Ali embaixo, havia um demônio.
Essa feridinha, descobriu-se, ocultava um buraco. O pé dele estava morto já. Não havia sangue, porque a circulação era problemática. E só foi desvendado o problema por causa de uma micose crônica na unha do dedão do pé, que nunca parava de dar pus. Tratávamos a bactéria em casa, ou seja lá o que fosse. Durante uns dois anos, ele com aquele dedão assim. Os cascões de ferida não preocupavam. Nem pensávamos nisso. Ele tinha as feridas há mais tempo, inclusive, que a unha purulenta. Nem atentávamos para o fato.
Então ele foi ao médico, internado com uma dor forte no pé, e descobriu-se a pele branca, debaixo de sua pele negra, morta, pálida, sem sangue. O médico fez uma raspagem para ver se o sangue não apareceria mesmo... Acabou que não apareceu. Era mais grave do que se pensava. Mas então, na manhã seguinte, meu avô acordou com o pé a jorrar sangue. Foi uma boa notícia. Havia esperança para o ferido. Foi mandado para casa depois de mais algumas semanas e começou a ser tratado com curativos de enfermeiros que iam até lá. Ele estava com um buraco no pé, através do qual era possível ver os ossos e a pele da sola, mas acreditávamos que ia sarar. Tinha de sarar. Que outra coisa poderia acontecer?
Mas não sarou. O buraco continuou lá. Os curativos não operaram milagres. E, pior, os enfermeiros condenaram alguns dedos de seu pé, para os quais o sangue já não jorrava. Meu avô é negro. Os dedos estavam mais negros que o tom habitual de sua pele. Começou o pânico. Tarde demais, descobriríamos.
Uma maratona para tentar reduzir diabetes, sendo que ele tinha má circulação, além de má cicatrização, por conta das taxas de açúcar. Meu avô parou de comer tudo. De uma alimentação podre de colesterol e carboidratos a um nada de arroz integral e verduras. Quando comia uma fruta, nossa, era festa! Daí emagreceu muito. Muito mesmo. Começamos a ver os ossos de seu peito e sobre a barriga. Meu avô sempre teve um barrigão, com o umbigo saltado, que apertávamos, quando nós, netos, éramos crianças. Agora, magro quase famélico. E tornou-se um tanto ranzinza, irritadiço. E mesmo no estado de pânico em que toda a família estava, é bem provável que tenhamos relaxado sua situação... Havia dias em que ele ficava sozinho em casa. Minha tia e minha avó saíam. Hoje, na casa principal, a casa deles, só moram os três. Os outros filhos têm suas vidas à parte. Ainda vivemos muito vinculados aos velhos, mas, nas horas em que meu avô ficava sozinho, esse vínculo parecia distante, eu aposto. Não posso evitar a sensação de que deixamos de fazer algo... Sim, deixamos de fazer muito. Ele não se cuidou, mas nós também não cuidamos dele.
Os dedos mumificaram. O médico de Macapá decretou: "Vai ter que amputar a perna, abaixo do joelho. Além dos dedos necrosados, a ferida não sara porque não há circulação do joelho para baixo. Vai ter que amputar".
E mais desespero. Ele, minha avó e minha tia foram para o Rio, onde uma prima conseguiu consulta junto ao maior médico vascular do Rio de Janeiro. Do Brasil, provavelmente. Tudo deu tão certo, que achamos ser essa a esperança. O médico tentaria uma ponte de safena para levar sangue até o pé, desobstruindo as artérias da perna, e assim sararia as feridas. A única perda seria o dedinho morto e inútil. Um preço tão pequeno a se pagar...
A cirurgia foi dia 27, anteontem, às 14h. Antes de ir para a maca, ele me ligou. Estava cansado de ficar no hospital. Me disse para eu não me preocupar, que ia ficar tudo bem, que ele estava indo para a operação que o curaria e faria com que voltasse para casa, onde nos veríamos no dia 16 de dezembro. Ele tinha fé que estaria em casa antes do Natal e, não apenas isso, mas com as duas pernas, e a ferida já em processo de cicatrização!
A ponte não deu certo. A operação foi de duas horas da tarde até a boca da noite, até oito horas da noite. Os médicos tentando. Romperam muitas veias, não conseguiram fazer o processo. E como ele já tinha perdido muito sangue, acharam melhor interromper tudo. Sem sucesso. Sem sucesso. Não é suposto que a medicina nunca falha? Não é isso? Não é?
Ele está na UTI. Fico recebendo notícias a conta-gotas, através de terceiros... Ninguém liga, ninguém fala conosco, eu e meus dois primos, aqui em Fortaleza, só mesmo o titio, pai deles, que deve ser a pessoa mais controlada neste momento. Mas também, o que se podia esperar? Todos muito abalados. Meu avô vai, afinal, amputar a perna. E depois disso, o que vem? Nem consigo pensar... O mais triste foi o que soube pela minha mãe. Mesmo meio grogue, ele acordou, lá na UTI, era horário de visita, e falou para minha tia e minha avó, como se a cirurgia tivesse dado certo: "Oba! Oba!". A mesma alegria brincalhona com que dizia aquele "Aiai!". Talvez, a esta altura, ele já saiba da verdade. Que vai ter de extirpar a perna. Cortá-la na altura do joelho. Um homem ainda cheio de sonhos. Minha avó está muito abalada.
Eu entendo que esta dor não é sobre mim. E, por isso, dói mais, pois está fora da minha capacidade de contentamento íntimo e masoquista. Esta dor é de todos nós. É só dele. Porque continuaremos a amá-lo, é claro. Mas ele, com toda a dor que sentirá, ainda se verá como o herói amado que sempre foi para nós? Não sei o que vai se passar na cabeça dele.
Meu avô, meu amor. Ele que ia comigo à escola no dia dos pais. Quantas vezes eu não saí por aí dizendo que eu era neta do Azevedo Costa? Disse isso mais vezes até do que disse meu próprio nome. Eu sempre amei este homem além das minhas forças. Nunca conversamos de coisas muito profundas quando era pequena. Nos amávamos naqueles silêncios de quem se compreende e se preocupa um com o outro, sem precisar dizer. Soube que a única vez que viram meu avô chorar, foi quando minha mãe disse que estava grávida de mim. Uma situação triste... Era uma jovem de 21 anos, grávida de um namorado qualquer, a quem amou, mas que, meses antes, engravidara também outra mulher. Eu sou fruto de lágrimas e frustrações. Eu sou o diploma que minha mãe trouxe de Belém quando fora, naquela época, estudar fora de Macapá, a cidade Natal.
Mesmo assim, eu sou quem viu meu avô chorar uma segunda vez, naquela noite em que eu arrumei as malas pra ir embora do quarto deles e vir morar em Fortaleza... Esse é o homem que eu amo mais do que tenho lágrimas para derramar agora, e olha que são muitas. Eu queria fazer tanto por ele, assim como ele já fez por mim, e não posso. Está além da minha limitada capacidade. Lembro de todas as vezes em que eu disse "Te amo, vô". E ele nunca respondeu "Eu também", mas sempre "Obrigado". Um agradecimento que eleva as palavras a outro nível. Meu avô... Que sempre acreditou em mim, mais do que eu mesma. Um dia perguntei para ele, na última viagem que fez a Fortaleza, perguntei: "Vô, o senhor acha que um dia eu vou me tornar uma escritora?". Ele respondeu: "Você já é".
Meu vô. Teimoso. Autossuficiente. Agora, incapacitado pela própria tolice. E pelo nosso descaso. Por um estúpido botão seco de pele, que escondia um abismo. Eu não me importo de amar a este herói amputado. Eu o amaria até mesmo se ele já não existisse mais. O que mais dói em mim, porém, é pensar na dor que ele vai sentir ao se ver assim, tão limitado. Tão frágil, tão perto da morte. Tão longe dos sonhos políticos que ele ainda albergava. Preso a cama, a casa, a cadeira de rodas, a lágrimas... Certamente ele chorará agora. Já não será o homem que chorou apenas duas vezes. Fico pensando em todo o sofrimento que ele experimentará. Ele já estava sofrendo de dores. Agora virá a ausência. Eu penso em depressão, em pânico, em sentir-se inútil, obsoleto. Tudo isso batucando dentro da cabeça do meu herói. Tudo o que eu queria era poder dizer para ele: "Eu te amo, vô, o senhor tá vivo, vai ficar tudo bem!". Mas eu sinto, eu sinto bem fundo, lá onde a alma encontra o espírito, eu sinto que já não haverá mais um "vai ficar tudo bem...". Sim, acostuma-se a tudo, o ser humano é desse material maleável, embora frágil. Sim, meu herói não está morto. Mas um herói amputado se deixa amar?
Mais importante: a morte mais dolorosa são essas pequenas mortes que vão matando a gente aos poucos e dolorosamente e prolongadamente, ainda quando se está bastante vivo.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

ÂNCORA, EU

São só 19 anos e eu já estou muito cansada "do peso da minha cabeça". Cansada de... Tentar dar razão à própria existência. Tentar agarrar o mundo com braços e pernas. Cansada de tentar ser. Cansada dos arredores, do que vai dentro, e do que (me) atravessa. Tão cansada de ter problemas! Tão cansada de saber que não sou a única a ter problemas. Tão cansada de chegar a alguém e dizer: "Tenho problemas", e então olhar bem fundo dos olhos dessa pessoa, ou nem tão fundo, basta a superfície tão obscura e tão clara do rosto, e saber imediatamente que essa pessoa também tem problemas. Tão crus, tão tristes quanto os meus. E que me despreza. Me despreza a partir de agora por eu ter cogitado a possibilidade de que meus problemas fossem mais duros que os dela... Não era isso. Eu apenas buscava uma boia, uma alma alheia na qual me ancorar por alguns instantes. Soçobro. Todos temos problemas, Bárbara. Se eu te contasse os meus...
Tão cansada dessas pessoas que sempre encontram uma forma de elogiar defeituando. Que parecem dizer uma coisa, mas na verdade dizem outra. Tão cansada de não ter para onde correr quando me sinto muito, muito melancólica. Tão cansada de não conseguir dizer ao mundo: ESTOU CANSADA! Não há quem se importe. E com razão. E tão cansada de ser aquela em quem pregam essa nova placa: risonha.
Não sou.
Quero me lamentar, ranger dentes. Quero, por fim, me libertar da tirania alheia. Dessas pessoas que se pensam no direito de tratar a todo mundo do jeito que for, porque são tão legais, porque são tão astutas. Astutas, sim. Amáveis, não. Não-legais. Tão cansada de não conseguir dizer o que preciso dizer. Tão cansada de não ser capaz de chamar à consciência aqueles que incomodam. Tão cansada de não conseguir ser eu. De ter as opiniões contrariadas, os rótulos martelados com tanta força: pedante, insegura, volúvel, competitiva.
Eu não sou! Eu sou uma mistura do que eu via nos olhos da minha mãe quando ela estava mais por perto e me olhava com amor. E daquilo que eu vejo quando me olho no espelho, e tento entrar bem dentro de mim pela minha pupila refletida, e então me enxergo como alguém de fora, e as coisas que vejo... São pavorosas! Mas de modo nenhum sou aquilo que me obrigam a ser, fruto do sufocamento das coisas que não querem que eu seja.
Eu estou muito cansada de não ter âncora.

sábado, 28 de setembro de 2013

DE COMO DESPREZO GENTE FELIZ QUE SE CONTENTA E GENTE INFELIZ QUE NÃO SE CONTENTA NUNCA

Se o mundo fosse dividido apenas em pessoas felizes e infelizes, sem gradações, e sem mentiras, e falsos enganos, de que lado você estaria? E como pode ter tanta certeza? O que é felicidade? O que é tristeza? Não seria a certeza da felicidade uma negação suprema da dor? E não estaria você, que sofre, simplesmente acostumado com sua dor, a ponto de se sentir perfeitamente feliz e satisfeito com ela? Acostuma-se. Felicidade e tristeza, afinal, são questões de costume.

sábado, 31 de agosto de 2013

COMO?

Fico pensando... O que fará de mim uma escritora? Uma tatuagem na mão alardeando o não-fato? Os blogs para os quais se escreve? O jornal? As anotações pessoais? Os trabalhos da faculdade? De onde virá este gigante? Este gigantesco passo... Que é, em si mesmo, a concretização da jordana toda. O primeiro livro. É disso então que preciso? O primeiro livro publicado?
Mas mesmo ele seria suficiente? E se nem assim se saísse do anonimato? E se mesmo assim não derem ainda a carteirinha do clube? E se for ainda preciso muito mais...? Um mais que não alcançarei, e se for? E se talvez for necessário muitos contatos, muita influência? E se o primeiro livro nem em papel for? E se ninguém quiser lê-lo?
É tanta coisa que pode dar errado! O que fará de mim escritora, ou como me farei? Depende de algo interno? Já o tenho. Já o quero. E por quê? Infinitas coisas... Mas, a mais simples e profunda delas: porque quero. Não como queremos um brinquedinho aos seis anos de idade, que depois é suplantado pelo de sete, de oito... Quero como alguém que se afoga, e deseja voltar à superfície. Quero como alguém que se afoga e deseja até mesmo um punhadinho de ar que seja, só para o último pedido de perdão ou coisa que o valha. Eu quero isso como alguém que, já a salvo em terra firme, jamais se esquecerá de como era o submerso... E daí valoriza o ar como a própria vida - o que, de fato, o é. É assim que quero.

sábado, 24 de agosto de 2013


sexta-feira, 19 de julho de 2013

SEMPRE ELA... FLORBELA

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!... 

MEDO DE MORRER

É quando você percebe que comeu arroz estragado depois que sua tia chega em casa, cheira a panela, e descobre o fato.
Daí você espera a morte, lendo nos olhares dos outros a reprimenda por sua estupidez...
E então você não morre pelo arroz azedo com brócolis.
E a sensação de morte passa.
Mas aí, um dia, seja por arroz ou não, você morre.
Eis aí a real sensação de morte: saber que se vai morrer depois de sobreviver ao arroz.
Saber que se vai morrer mesmo depois de a sensação passar.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

"saudades imortais"

"Eu ansioso pelo Sol, buscava 
Sacar daqueles livros que estudava 
Repouso (em vão!) à dor esmagadora 
Destas saudades imortais".

O CORVO

quarta-feira, 19 de junho de 2013

AO QUE COMIGO PLANEJA DOMINAR O MUNDO

Murilo,

O que tenho pra te dizer é isso:
Acho que uma das maiores alegrias do Chico foi ter inaugurado a data para que um dia, nesse dia, alguém como tu nascesse. Dia já abençoado por si só, e então, vocês dois.
De pensar que te conheci pequenininho... E nem conheci bem (pelo menos não à época), mas houve um reconhecimento de almas, não achas?... E desde lá, quanto tempo? Sete anos, meu amigo. Para nós que só acumulamos 19 até agora, é ano pra mais de metro!
No começo, aquela amizade tímida. Lembras? Eu encerrada na bolha das popularidades superficiais dos 12 anos, sem atentar muito bem para o coleguinha tão legal, caladão, um tanto bisonho - autodefinição tua mesmo -, logo ali ao lado. E tu, isolado, encerrado também, mas na ostra da timidez e de certo blaseísmo que todo garoto tem até bem depois dos 12. O que nos uniu, ainda que sem grandes pretensões, talvez tenha sido, a princípio, aquele gosto pelos Hermanos. Ou a falta de sono, os hábitos cibernéticos notívagos...
Assim vieram as madrugadas de MSN - quem não sente nostalgia? -, amizades que se tornavam de infância, enquanto os históricos de conversa iam se tornando intermináveis... Te perdoo por todas as vezes em que, nesses diálogos sem quê nem pra quê, vieste fazer inveja pra mim porque tinhas o CD da Amélie e eu não. Mas o tempo corre, vira cambalhota, meu caro, e hoje eu tenho o meu também, só pra deixar claro.
Foi assim. Sete anos em que a gente mais se digitou e se idealizou do que se viu, mas permanece esta quase uma década de alguma coisa boa, confortável, doce, divertida. Amizade. Introcável. Te gosto pelo que tu és, e mais: pelo que também não dizes. Por essa aura que te cerca, percebível a distância, e que faz a gente querer ser poeta também, seja lá com que caneta for, e de que maneira for, seguindo o teu exemplo...
E o que começou com Los Hermanos, rendeu. Olha só onde estamos. E aí estás tu, até hoje, e desde de antes, todo e sempre musical. Muito mais que dividindo uma data com o Chico, fazendo a data bonita junto com ele. O que eu penso de ti é tão simples e tão profundo quanto um dos teus rabiscos de versos, ou um refrão buarqueholandesco: que há todo esse lirismo escorrendo dos teus dedos, essa poesia meio engajada, esse rap erudito, os poemas curtos, bonitos, densos no pouco espaço. E soma-se a ti aquele talento sedutor de quem não se acha à altura de si mesmo. A melancolia que, apesar de tão triste, é também tão charmosa...
Obrigada por ser um amigo tão legal. Por dividir sonhos tresloucados, compartilhar projetos, por me deixar ser o Pinky, enquanto tu és o Cérebro, e os planos loucos de dominar o mundo (dos blogs, dos livros, das canções, das artes).
Gosto mais de ti do que gosto das letras do Chico em vozes femininas (e olha que gosto bastante!). Gosto de ti na mesma medida em que resisto ao Gilberto Gil (e é bastante também!). Gosto de ti porque me fazes gostar de coisas ingostáveis. E porque és gostável também, por natureza.
Espero que não percas tudo o que há de maravilhoso em ti, nunca. Enfim, tu inteiro. Me arrisco a dizer, inclusive, protegida pela intimidade e proximidade de almas que garantiu para nós a distância física, que até mesmo o que há de mais triste e amargo na tua história, só serviu pra te tornar ainda mais isso. Isso que és. Meio indefinível, mas tão-bom.
Não fique se achando muito (porque o que tens de desligado, tens também de malandro)! A beleza está grandemente nesse teu não-saber. Te adoro, meu querido amigo! Malandragem boa, é isso que é. Ah! Anote na capa do teu Leminski de bolso (ou Drummond, ou Neruda, ou Bandeira, ou Quintana): não vá morrer aí no caos urbano. Ainda temos muita solidão pra percorrermos juntos...

Feliz aniversário.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

ACERCA DO HOJE

Até ontem, dizíamos de nós mesmos:
Brasileiros não têm capacidade de organização.
Brasileiros são acomodados.
Brasileiros são omissos.
Brasileiros são conformados.
Brasileiros só gostam de pão e de circo.
Brasileiros não lutam por seus direitos.
Brasileiros não vão às ruas para mudar seu país.
Brasileiros...

A partir de amanhã, dirão:
Brasileiros... destruindo seus próprios estereótipos desde 2013.
Porque lutaram.

O triste é pensar que alguns de nós, embora mudem seu discurso, permanecerão dizendo coisas do tipo:
Brasileiros... Só sabem fazer baderna.

domingo, 16 de junho de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

O SABOR DE SER 19

[Como se hoje fosse ainda dia 14:]

  19 anos, hoje. São, pelo que diz a calculadora, 6650 dias. 79800 horas. Minutos infindáveis de uma existência quase que exclusivamente dedicada ao ócio improdutivo e à procrastinação eterna, mesclados com raros momentos de inspiração abobalhada.
  A verdade é que me sinto muito mais tendo 19 (tão abstrato e ao mesmo tempo tão concreto), do que sendo, propriamente, dezenove-anos. Eu tenho esse número exato, mas não é como se eu mesma ele fosse. Fico na indefinição do ser-se e/mas não sentir-se (deixe as ênclises aí).
  O próprio dia de hoje já amanheceu assim, dúbio. Belo, mas dúbio. Dúbia Fortaleza chuvosa, envolta num vento quase enregelante, ainda que com aquele mormaço sufocante e um sol de crestar miolos. Um calor-frio, uma luminosidade opaca, um brilho intenso filtrado por um céu nublado de grossos e cinzentos chumaços de algodão, enquanto se sua e se treme à espera do ônibus que nunca virá, porque o caos urbano não refresca nem mesmo para os aniversariantes.
  Contudo, embora eu molhada de inconstâncias e incertitudes, foi este um dia feliz. Um daqueles dias em que se sorri para os gatinhos marajás, paxás a se lamberem regiamente sob o sol da UFC, um daqueles dias em que não se enxota a formigona que subiu no seu pé, um daqueles dias em que você se descobre um ser amado.
  A minha ideia de velhice não era uma vida solitária rodeada por felinos. A minha ideia de velhice máxima, há alguns centênios, era completar 13 anos. Número não totalmente aleatório. Acontece que eu devia ter lá meus sete, quando uma prima mais velha, que morava no Rio, mandou-me uma carta, e nela havia um desenho cujo título era "Bárbara aos 13 anos". A figura angulosa conseguira mais ou menos domar um cabelo leonino e detinha uma estreiteza de dar inveja. Ter treze anos passou, assim, a representar o auge do amadurecimento, o ser alguém no mundo, com um metro quadrado de existência autônoma.
  E eu costumava achar um saco ser criança. Era cruel. Porque criança sofria (aqui o eco da menina que desde sempre foi um bocadinho melancólica), não podia participar das confabulações dos adultos na cozinha, e tinha sempre que ficar vigiando a postura e passando cuspe no joelho pra tirar a "tuíra".
  Enfim, alcancei os treze. Sem grandes arroubos. Passei pelos superestimados 18, e chego agora, discretamente, aos 19. Com aquele ar mais ou menos fatigado e o sorrisinho meio que desdenhoso-condescendente de quem enfim compreendeu o grande lugar-comum dos adultos: crescer não é tão mágico assim...
  É, afinal, só uma questão de ser forçado a aprender de uma vez por todas a atravessar a rua sem a mão amiga entrelaçada à sua; e é ainda apenas questão de fazer o seu próprio pedido à atendente no caixa do McDonald's (contendo o desejo ardoroso de pedir um McLanche Feliz e descolar para si aquele brinde tão maneiro do Keroppi); crescer é apenas uma questão de aprender a pegar o ônibus certo e fazer o favor de não chorar caso você se perca.
  Ter 19, ou mesmo o 13 idealizado, consiste basicamente em dominar todas essas habilidades desiluminadas. Não importa se você foi uma criança que aprendeu a pintar magnificamente com o lápis de cor, sem sair da linha, aos três anos de idade. O que importa ao externo é que você não seja um pobre coitado de 19 anos que ainda atravessa a rua feito um trem descarrilado e sofre com a voz embargada ao tentar perfurar a carapaça da timidez e fazer o seu pedido à mocinha impaciente e meio surda do caixa.
  Mas, bom, a intenção não era transformar esse texto num daqueles manifestos a favor dos que não querem crescer. Eu mesma não quero ser um desses que não quer crescer... Mas quero fazer de mim um daqueles adultos que se olham no espelho e conseguem se perdoar por terem crescido, e que não se levam muito a sério, e que gargalham sozinhos ao notar, depois de uma hora incessante de busca, que os óculos estavam, desde o início, estacionados no topo da cabeça!
  Enfim, todas essas bobagens rabiscadas simplesmente para balbuciar que foi este um dia bom, um dia feliz. O teor da reflexão murcha pode parecer ter sido feito para murchar também quem lê, mas não. São apenas aquelas coisas que a gente despeja quando encontra a desculpa de ter nascido no bendito dia presente.
  Por fim, notas de rodapé:  talvez a maturidade ordinária que se espera de alguém que se diz um 19 anos só me brote mesmo quando eu for para lá dos 30.
  Especificamente quanto ao dia de hoje, 14, gostaria que meu avô estivesse aqui em Fortaleza com a gente. E também a minha mãe. E minha irmã. E tios. E primos. Mas aceitar as circunstâncias intransponíveis com resignação e desprendimento faz parte também de crescer, eu imagino, e ao menos este amadurecimento eu me concedo (tento).
  Vovó chorou hoje, é claro, como era de se esperar. E o elemento desencadeador foi o "bonequinha" com que um de meus tios iniciou a mensagem de parabéns à aniversariante. E pensei, cá com meus botões (de celular): "Ainda bem que, neste país estrangeiro (que é a idade dos que já amadureceram), pelo menos nos permitem chorar...".

um vislumbre da velhice

sexta-feira, 17 de maio de 2013

APRENDI UMA PALAVRA NOVA

O mal desses (já velhos) novos tempos é que tudo dá gastura na gente.
"Gaxxxxtuuura"... Assim mesmo, bem prolongada.

A GRIPE QUE NUNCA PASSOU

Acho que, quando eu era pequena, peguei uma gripe e ela nunca sarou. Eu tenho essa moleza de espírito que me faz arrastar pelos dias a fio, sem fazer nada. Deixo para o último segundo todas as coisas, porque a cama me chama. O travesseiro, a preguiça. Um eterno protelar de quem tem o corpo todo dengoso de gripe...
Os meus olhos lacrimejam, o meu nariz escorre, e os ossos do crânio, os dentes, todos doem. É um estado permanente. Essa vontade passiva de morrer para o mundo, essa preguiça de viver. Nada muito definitivo, apenas parado, suspenso. Poderia ser verme, mas não, é gripe, gripe de alma, já diagnostiquei.
E quando o tempo piora, cai chuva, faz sol brabo, o meu estado, como fica? Assolado. Arrasado. Garganta cortada, inflamada, gosto amargo na boca, os olhos vazios, meio melados, molhados, a coriza do coração e o tapamento dos ouvidos, enquanto a tosse literária não me larga...
É gripe, na certa. É gripe.

"Okay", he said

Terminei de ler (14/05) "A culpa é das estrelas". Incrível (e reconfortante) pensar que bons textos ainda estão sendo escritos. Não sei se a lógica duramente capitalista do mercado editorial permitiria que mais livros humildemente brilhantes e apelativos (não de um jeito ruim) como este sejam feitos, sem deixar que a capa do livro, o marketing resenhista, o "todo mundo tá lendo no universo dos pré-adolescentes e mal-comidos" impeçam o crescimento natural, maduro e discreto (ainda que, no caso de "The fault in our stars", como acontece com frequência em tantos outros, tenham insistido em anexar à capa, posteriormente, o polêmico - e por mim desprezado - selo "#1 New York Times best-seller") de obras assim.
É um livro muito jovem para adultos esgotados. É um livro muito adulto para jovens-ameba (contingente majoritário neste planeta). É, portanto, um livro para jovens adultos. Ou adultos jovens. De alma, digo. E disposição. Pessoas que entendam que a capa  e o título (quando traduzido para o português, ressalvo, já que o original funciona perfeitamente, e orgulharia qualquer Harold Bloom) não conseguem abarcar, em sua tola alegria esfuziante de nuvens em giz de cera e um brilhante fundo azul-verão, toda a magnitude dessa obra humildemente pretensiosa.  E mais que satisfatória às próprias pretensões.
E mais, devo dizer, para salvar a honra dos que não se contentam com o apelo errado das cores equivocadas na capa de um livro que se vende de um jeito (matem as malditas editoras e estantes "badaladas" de livrarias) mas que não faz concessões ao hipotético público-alvo:  azul é também tristeza, inclusive os tons mais brilhantes.
E brilhantismo é a palavra para esse romance suficientemente desmistificado/desmistificador, onde você se comove com a doce filosofia de boteco-bistrô irrepreensível, com o amor que achou já não estar mais em moda (entre pais e filhos), com os diálogos de referências primorosas (e, Deus salve John Green e os sábios tradutores, não exaustivamente explicadas em "N.T.s" e N.E.s", por terem consciência de que só servem para público os que têm intelectualidade suficiente para captar os estímulos). Enfim, um ótimo livro. Para desafogar as vistas (e os sonhos) da quantidade surpreendente de lixo com que - aqui vai um belo exemplo, ainda que aleatório - as Lojas Americanas têm entulhado as prateleiras (de suas lojas e de nossos cérebros).

quinta-feira, 9 de maio de 2013

POEMA

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo

Eu acordei com medo e procurei no escuro alguém com o seu carinho
e lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança do tempo em que eu era criança

E o medo era motivo de choro, desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo

Do escuro eu via um infinito sem presente, passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo, era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)

De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa

morna e ingênua que vai ficando no caminho
que é escuro e frio, mas também bonito
porque é iluminado pela beleza do que aconteceu há minutos atrás


Cazuza
Por Ney
A minha mente é como um mundo muito, muito, muito grande, mas cíclico, que me cansa.
Gira essas voltas, sempre as mesmas voltas, à volta de mim.
E eu não sou lá tão grande para que uma rotação seja maior que a frequência delas todas, sempre iguais.
Eu tenho uma mente vasta, mas plana. Um planeta raso aprisionado aqui dentro. Voltando sempre ao mesmo enfado.

AS COISAS QUE EU DEVERIA ESTAR FAZENDO

Eu realmente deveria atualizar mais meu blog, e é o que estou fazendo agora, mas só porque, na verdade, eu deveria estar estudando, mas como estudar é a última coisa que eu faço sempre, a atualização do blog subiu na lista de prioridades e deixou de ser a coisa número um na lista de coisas não feitas que eu deveria estar fazendo. Mas não. Calma. Está confuso. A questão é: eu deveria estar fazendo uma porção de coisas, e como atualizar o blog deixou de ser uma delas, é ela que estou fazendo, porque normalmente deixo para fazer as coisas que já não deveria. Hunf.
Eu deveria estar melhorando a minha postura e deveria estar domando o meu psicológico. Eu deveria estar me autoanalisando e vendo o que precisa ser jogado fora. Eu deveria ter menos autocomiseração e chorar menos e agir mais. Eu deveria parar de ser tão íntima em domínios tão públicos. Eu deveria parar de fantasiar e ter mais foco. Eu deveria ter uma porção de amigos e saber cuidar bem deles, para não perder assim como já perdi uma tonelada de tantos outros. Eu deveria.
Eu deveria ter mais amor-próprio e melhorar a autoestima, eu deveria, porque conviver com pessoas inseguras é um troço muito chato. Eu deveria ser mais atenciosa com quem gosta de mim e me tolera, e deveria ser menos tolerante com quem me desaponta, se desponta de mim e me enerva. Eu deveria ser mais afável e menos bipolar - o problema é que eu não sei ser nenhum dos dois, mas deveria.
Eu deveria desaprender a alimentar paixões neoplatônicas, eu deveria. Eu deveria desistir logo dos sonhos literários, se ficar provado de uma vez por todas que não tenho talento. Eu deveria comer menos, beber menos refrigerante, beber mais água, encolher a barriga. Eu deveria condicionar meu próprio cérebro a não ter mais tantos pensamentos fixos - me livrar desses pensamentos fixos deveria ser minha fixação primordial. Eu deveria.
Eu deveria ouvir mais minha própria voz interna, porque ela sempre sabe quando eu tô errada. Eu deveria. Eu deveria ser menos dependente do alheio, eu deveria. Eu deveria reaprender a me alegrar com a minha melancolia, e reaprender a não mais ligar se estou só - o fato é que estamos todos muito sós e abandonados. Eu deveria. Não mais chorar por nada disso. Já disse.
Eu deveria não rir tanto do que os outros dizem, mas é que de tudo acho graça. Eu deveria não. Eu deveria lembrar mais do que já consegui, pra gostar mais de mim, mas essas conquistas não significam nada. Eu deveria aprender a ser mais crítica. Aprimorar meus argumentos. Eu deveria sorrir mais e rir menos. Eu deveria.
Eu deveria encontrar um modo de ficar mais tempo em paz. Eu deveria terminar as aulas de violão e sair aprendendo alguma coisa. Eu deveria ter trazido o violão quando pude. Ou não me importar sobremaneira com isso. Eu deveria não migalhar. Eu deveria ter dito, naquele dia, no fim da aula: "Não quero". Mas como eu poderia ter previsto? E daquela outra vez, ter dito não também. Eu deveria ter voltado todo o caminho e ter dito.
Eu deveria estar estudando, porque amanhã tem prova. Eu deveria. Mas faço?

quarta-feira, 1 de maio de 2013

OLHA SÓ, MORENO

E eu me pergunto o que é que eu sou...

Vai ver eu não sou mesmo nada.


E eu me pergunto o que é que eu fiz...

Vai ver eu não fiz mesmo nada.


Eu penso tanto em desistir...

Mas afinal, não ganhei nada.



Mallu.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

SOLIDÃO

(Poeminha de um amigo só, que me deixou ser sozinha com ele)


Solidão


solidão

é uma senhora emboscada

com a inconsciência forte-mente armada

e pelo medo e a saudade acompanhada

solidão solidão é uma cilada

que no ego foi projetada

e na alma executada

Murilo Vieira Menezes

terça-feira, 16 de abril de 2013

LOS BARBADOS

saudades a gente tem até do que não viveu.
 experimentou muito tempo depois ou nem isso.
e tem.

quinta-feira, 21 de março de 2013

TENHO DUAS COISAS A DIZER

1ª - Preciso urgentemente de amigos que me levem para passear.

2ª - Estou apaixonada pelo presidente do México.

sábado, 16 de março de 2013

COMO DIZER...?

Como dizer para aquele seu amigo ou conhecido que, no inglês, o adjetivo vem antes do substantivo? Que você quer de volta aquele livro que emprestou há mais de um ano? Que os acentos não existem por acaso, e devem ser colocados nas palavras dos trabalhos que vocês fizerem juntos? Que o personagem que ele mais gosta vai morrer antes do final da série/livro e, por isso, é melhor não se afeiçoar tanto? Que ouvir sertanejo não o promove a uma categoria de seres humanos legais? Que usar os cortes de cabelo do Neymar não faz dele um grande jogador de futebol-pegador-ricaço? Que o perfume que usa dá náuseas? Que mastigar de boca aberta e fazendo barulho ainda não está na moda? Que batom azul assusta? Que você prefere pizza sem cebola? Que não quer ganhar um ovo de páscoa de Charge, porque não gosta de chocolate com amendoim? Que não se pronuncia "Keiti" Richards? Que as montagens fotográficas que ele faz são toscas? Que ninguém se interessa por seu coração partido semanalmente? Que ninguém quer saber onde ele está nem o que anda comendo? Que ninguém liga para o fato de se sentir feliz porque hoje é sábado? Que é chato - e ilógico -  reclamar de dor de cabeça e continuar no Facebook? Que Johnny Depp não é uma espécie de messias? Que elogiar a fotografia de um filme não faz dele um crítico de cinema? Que ele não sabe usar as palavras "paradigma", "estereótipo", "paradoxo" e "clichê" nos contextos certos? Que dor de corno nas redes sociais é mais repelente que ao vivo? Que ele não tem autoridade para corrigir a gramática de ninguém? Que ele superestima o consumo de Doritos? Que compartilhar fotos de cachorrinhos e bebês desconhecidos não o torna cativante? Que seu gosto musical o está reduzindo a uma ameba? Que ele coloca vírgulas onde não deveria? Que ser poeta de Facebook é mais ridículo que lírico? Que ninguém está dando a mínima para o seu aumento de bíceps? Que exibir glúteos e glândulas mamárias em fotos não atrai pensamentos saudáveis? Que ele não é bom em inventar piadas? Que não vai conseguir passar em Medicina? Que não desenha nem de perto "bem"? Que jamais será um escritor? Que seu francês é sofrível? Que aquela foi uma curtida irônica de fulano? Que ter pintado o cabelo foi um erro? Que gostar de velha MPB ou derivados não o faz mais adulto ou intelectual? Que ter dreads não o promove a nenhuma categoria de almejada idiossincrasia? Que ele não precisa baixar toda a discografia e decorar todos os nomes dos integrantes e seus parentes para se tornar fã de uma banda? Que ninguém jamais curtirá seus vídeos no YouTube gravados com a câmera do Motorola V3 e, se depender disso, jamais será um grande vlogger? Que "A batalha do apocalipse" não é "o melhor livro do mundo"? Que tirar fotos de boca torta é quase tão traumatizante quanto com a língua de fora? Que dá vergonha ao vê-lo citar Caio Fernando Abreu ou Paulo Coelho? Que andar com uma garrafinha de água pra cima e pra baixo é broxante?
Como? Como?
Faça o seguinte: mostre esta postagem a ele; cole no mural, faça o link sutilmente escorregar em alguma rede social, ou abra a janela no notebook e saia de fininho, e deixe o resto por conta do cidadão... E se, ao final, não resultar... Bem, arranje novos amigos.

domingo, 10 de março de 2013

O GRANDE GATSBY + UP CLOSE AND PERSONAL

Terminei de ler "O grande Gatsby" (que, por sinal, gostei muito, apesar de a leitura ter começado um tanto arrastada), e fiquei com aquele gostinho na boca e na mente... Imediatamente após, fui fuçar sobre as versões cinematográficas. Nessas andanças pela internet, descobri que vão levá-lo de novo às telas agora em 2013, parece que em abril, com nosso imortal Tobey Homem-Aranha no papel de Nick, o narrador do livro, e ninguém menos que DiCaprio como o grande Gatsby. Parece-me que a Daisy será interpretada pela atriz que fez a irmã de Michael Fassbender em "Shame". O trailer é promissor.
Tudo isso só aguçou ainda mais meu interesse pela obra, então fui assistir à versão de "O grande Gatsby" de 1974, em que Robert Redford interpreta o personagem principal, e Mia Farrow, a mocinha. Não gostei muito da performance dela. Apesar de o livro ter seus personagens construídos com aquele teor performático, como caricaturas da própria época, em que os diálogos muitas vezes parecem surreais, impenetráveis, ou absurdamente frívolos - características literárias admiráveis, pois décadas depois ainda conseguimos saborear nesses diálogos o gosto apurado da ironia e mordacidade com que Fitzgerald tratou sua época, e o próprio estilo de vida que, mesmo criticando tão refinadamente, ele e a esposa perseguiram em toda a vida -, não gostei absolutamente da interpretação de Mia Farrow.
Poderia desenrolar um milhão de argumentos para atestar o que estou dizendo, mas acho que o que mais me aporrinhou foi o fato de ela não transmitir em nada uma das características mais marcantes de Daisy Buchanan: a voz. Aquela voz que, nas palavras dos próprios personagens, estava cheia de dinheiro. E, em outras passagens, uma voz sedutora, encantatória, para não dizer etérea. Enfim, uma voz com algo especial, uma entonação mais rouca, pausada, ou suave... Talvez como a voz da atriz que interpretou Jordan, enquanto que o timbre de Mia Farrow só me fazia pensar: "Cale a bendita boca!". Ela soava estridente e artificial sempre (como é possível?!), e talvez fosse a intenção, mas desvirtuar o maior traço da personagem do livro assim não me agradou em nada. Eu queria uma voz que me fizesse entender um pouco dessa "magia" que pairava ao redor de Daisy, e não simplesmente a voz de alguém que mal pode ser ouvida por seres humanos. Nada contra a Mia, que, ironia das ironias, tem uma voz doce e suave em todos os outros filmes. Ah, sei lá... Não sou graduada em vozes.
Contudo, em compensação, eu não poderia pensar em um melhor ator para encarnar Nick Carraway. E preciso dizer que me apaixonei por Nick? Tanto em sua exacerbada condescendência, o que muitas vezes o conduziu à omissão e, eventualmente, ao erro (mas ele estava justificado devidamente desde o início, ao afirmar que era muito cauteloso ao julgar as pessoas, preferindo dar seu voto de confiança a qualquer um, indistintamente, até as últimas consequências, esperando pelo momento quando enfim sua longa paciência se esgotaria e sua estima fosse perdida para sempre), quanto em sua extremada lealdade. Gostei de tudo a respeito dele, até do que não deveria inspirar paixão. Tanto o personagem literário, em sua essência invisível, mas bem palpável na página do livro, quanto do personagem na tela, andando, falando, pensando, bebendo. Impressionou-me ainda a precisão com que imaginei um Nick Carraway muito semelhante ao ator da versão de 1974, com a diferença dos cabelos, que em minha mente eram um pouco mais claros. Enfim, tolices de leitor.
Voltando ao próprio Gatsby. Após ver o filme, me senti inspirada e inclinada a caçar um pouco mais de Redford. Tudo o que eu já tinha visto dele se reduzia muito provavelmente a três títulos: "Nosso amor de ontem", "Proposta indecente" e "Butch Cassidy & The Sundance Kid". E como eu estava muito impregnada do surrealismo apavorante de David Lynch, e outros filmes ditos "mais sérios", "mais profundos", pensei em pescar por aí algum filme do Robert Redford em que ele estivesse em pele de galã e pronto para me arrancar suspiros. Acho este homem tão bonito - e não sou muito de admirar belezas óbvias, vou mais pela via do "é charmoso em sua estranheza", mas abro exceção ao Redford -, que chega a me dar até vontades de chorar. Pois então, eu buscava algo dele que fosse um meio-termo entre uma comédia-romântica e um filme profundo, que me fizesse sonhar e refletir, mas sem me jogar no abismo dos contos de fada, ou no outro abismo do drama e das depressões suicidas.
Fui ao Filmow (rede social que, por sinal, me faz mais feliz e satisfeita que todas as outras, quase se equiparando ao finado Orkut) e, olhando pôster por pôster da filmografia do Redford, achei este título, escrito sobre uma linda cena azulada: "Up close and personal". Achei promissor. Lancei-me ao desafio...
... Não me decepcionei em nada!!! E como as demandas para esse filme não estavam tão altas assim, meu horizonte de expectativa foi superado com maestria! E adivinhem quem que o personagem do grande Redford cita numa das passagens do filme? Scott Fitzgerald! Scott Fitzgerald, sim, e sua máxima recorrente sobre a voz que soa como dinheiro!... Por sinal, também já citada aqui.
Era o que eu estava precisando, esse filme... Não muito bobo, mas também não absurdamente sério e pretensioso, filme para entrar em minha humilde lista dos favoritos e ocupar minha mente com uma linda história persistente. Gostei bastante. Normalmente não me cativa a Michelle Pfeiffer, mas achei-a ótima nesse filme. Agora são dois que me aprazem: Esse e "Nunca é tarde para amar", com meu querido Paul Rudd.
Enfim, tudo isso para dizer que tomei uma overdose de Robert Redford, e morreria feliz.

quinta-feira, 7 de março de 2013

OS QUE FUNCIONAM EM OUTRA FREQUÊNCIA

Me intriga, e talvez também me assuste, essa coisa das pessoas que funcionam em outra frequência. Tomando por padrão o regular, tomando por comum o frequente, o que eu vejo? Minhas amigas tendo bebês. Não sei se é idade suficiente, mas, não, talvez já não seja essa velha questão de idade (o ponto é que eu perdi a noção de adolescência e juventude depois dos quinze, já não sei quão jovem - ou quão velho - é ter 19/20 anos). Esqueçamos a idade. É mais sobre lidar com esse fato de pessoas tão próximas a você estarem fazendo novas pessoas dentro delas... Parece clichê, mas se torna curioso e levemente surreal quando se prova tête-à-tête: as crianças cresceram e agora estão botando no mundo outras crianças.
Contudo, não diz respeito somente à maternidade - prematura ou não, a questão é: inesperada; você não viu isso chegar -, mas a outros fatores da vida. Você agora é grande o bastante para ver pessoas casarem. Grande o bastante para ver pessoas morrerem. Grande o bastante para ver alguns de seus ídolos - e nem precisa necessariamente ser um de seus ídolos, basta alguém que você considerava imorrível ou inexpugnável, pode ser Chávez, ou até mesmo o Papa - irem embora um a um... E você vai se tornando esse ser absurdo que costumava ser seus pais: gente velha que admirava estátuas que já tinham morrido. Os seus estão morrendo agora também.
Então vem a questão da frequência diferente: você não se acostuma. Não tem jeito, você não consegue fazer o coração bater nesse mesmo ritmo - lento e suave ou forte e perigoso - que agora bate o coração dos outros que estiverem todo esse tempo com você. Seu coração não funciona mais como o deles, ou nunca funcionou. Sua mente também trabalha à parte, é mais lenta, mais profunda, demora a se acostumar. Sua alma também não sabe...
É essa a outra frequência assustadora: você ver tudo mudar ao redor enquanto permanece caçando mistérios num instante perdido depois da meia-noite, enquanto todos os outros dormem, ou simplesmente existem...