quinta-feira, 31 de maio de 2012

ELEVEN A.M.


Edward Hopper.
A mais nova descoberta.
Mais antigo que a solidão?
Nada.
Transposição.
O eu na terebentina.


quarta-feira, 30 de maio de 2012

O ADEUS

De algum modo, eu sabia, pressentia que este momento chegaria.
Momento em que deixo para trás velhos hábitos. Momento em que descubro, bastante atordoada, mas ciente, em meio às esquinas da livraria, que os livros que sempre li e que sempre me emocionaram e me distraíram e me acalentaram já não me apetecem mais.
Momento em que chego à borda das lombadas, e capas cor-de-rosa e azul-celeste não me sugerem mais nada, não me seduzem. Momento em que passo pela estante da distração, do escapismo, da massificação, do infanto-juvenil, do chick-lit, do trivial, do bobo, e nada daquilo mais me chama.
2h frenéticas, à caça, e nada. Nem um arroubozinho sequer.
O que fazer?... Não sei.
O adeus. O momento em que percebo que, de certa forma, amadureci, pois o que antes para mim era normal, muitas vezes sagrado e inquestionável, hoje parece verde e infantil. Maturei, sim, talvez. Mas não o bastante para encarar os clássicos... Os quais ainda me cansam antes mesmo que eu comece a lê-los!
Parece que ainda não sou adulta, mas também não mais criança, nem adolescente - eis o meu vácuo literário... Estou vivendo-o. Na espera de que algum arroubo venha me tirar da letargia. Porque já não há tesão por Sheldon, Nora Roberts e Danielle Steel, contudo, ainda não estou preparada para Wilde, Byron, Mansfield, enfim, toda a corja britânica, e igualmente despreparada para Eco, García Márquez e Italo Calvino. Tanta pretensa intelectualidade aglomerada ao redor desses nomes me enfada, me enerva...
E eu fico assim mesmo, sem nada ler. Não conseguindo, assim, ler nada além de mim mesma.


terça-feira, 22 de maio de 2012

Texto com o qual competi no 7º concurso "Construindo a Igualdade de Gênero"

Ser menina, pobre e preta no Brasil
A primeira vez que me dei conta de haver um abismo separando homens e mulheres, foi quando descobri que meu pai ganhava mais que minha mãe, apesar de terem a mesma profissão.
Ele, por ser homem, detinha alguns privilégios. Para começar, sempre fazia suas rondas com um revólver, presente do chefe, com o qual poderia se proteger facilmente. Já mamãe, ela só contava com a ajuda dos próprios braços magros.
Além de desarmada, também não tinha a chance de receber as mesmas comissões que papai, o qual fazia trabalhos extras como segurança.
Assim, dei-me conta de que, apesar de homem e mulher terem sido feitos “à imagem e semelhança de Deus”, os homens eram um bocadinho mais semelhantes, e por isso ganhavam mais.
Gradualmente, meus olhos se abriram para uma série de outras disparidades de gênero dentro de casa. Meu irmão, dois anos mais velho, sempre teve a notável preferência do papai, que frequentemente trazia balinhas para nós depois de alguma vigília. Mas, para meu irmão, trazia também revistas. Vai ver achava que mulheres não gostavam de ler. Pode ser até que minha mãe, inconscientemente, o tenha convencido disso, já que não lia nunca. Mas, pobrezinha, o que não admitira nem mesmo para o marido é que era quase analfabeta. Começara a trabalhar desde cedo e, atestando um triste clichê brasileiro, acabou largando os estudos.
Embora os gibis que meu irmão ganhava fossem uma prova incontestável de sua “superioridade” aos olhos do papai, só comecei a perder as estribeiras mais tarde, quando percebi que as mulheres da casa eram tratadas como a criadagem. Fazíamos de tudo, eu principalmente. Desde lavar louça e trocar lâmpada até matar rato.
Meu pai e meu irmão não ajudavam. Este último só contribuía mesmo para as despesas, já que, ao longo dos anos, substituiu os gibis pelas revistas de mulher pelada, e a escola por uma namorada. Enquanto isso, além de estudar, eu tinha de limpar a sujeira, administrar a parca comida, lavar louça, roupa, banheiro... Enfim, impossível não guardar ressentimentos. Àquela altura, eu já era uma bomba de rancor prestes a explodir.
Minha amargura só aumentou quando o papai deixou a gente. Eu estava então com quinze anos, meu irmão com uma namorada grávida e minha mãe com uma coletânea de olhos roxos. Foi uma dissolução traumática porque, embora mamãe, imbuída de coragem, tenha recorrido por conta própria à Lei Maria da Penha, nós dependíamos do pai para manter a casa financeiramente. Ele havia mudado bastante nos últimos anos. Começara a beber e humilhar a família. Mas, apesar disso, logo após a partida dele, mamãe morreu não apenas de remorso, mas também de tuberculose.
Eu e meu irmão então começamos a passar fome, como nunca antes. Fui impelida a trabalhar fora. Devido a tudo isso, eu me encontrava depressiva, rancorosa, machucada... E ainda cursava o primeiro ano do ensino médio pela terceira vez, reprovada consecutivamente.
Foi na escola que fiz outra descoberta, a que faltava para anular ainda mais minha autoestima já tão judiada. Descobri que era feia. Tal revelação veio no meio de uma aula, quando reparei que algumas colegas cochichavam apontando para mim. Intuí que havia algo errado, senti-me desajustada, não só por ter repetido o ano. Apesar de sermos um rebanho de miseráveis ali, era eu a ovelha negra, e isso contava mais. Senti de repente o peso plúmbeo da exclusão.
Com o passar do tempo, os cochichos e insultos aumentavam. O passatempo da turma era maldizer a minha aparência e cor de pele. Meus colegas chamavam-me “nariz de fornalha”, “carne preta” e “Bombril”, por conta do meu “cabelo ruim”. Eles eram tão dissimulados ao me pisotear a alma, que nenhum professor jamais tomou conhecimento.
Houve um dia em que, demasiadamente oprimida, cheguei aos prantos em casa. Não tinha ninguém para me amparar, de modo que corri para o banheiro. Ali, de frente para meu algoz, um espelho baço, eu vi minha pele tão negra que beirava o roxo, meu nariz enorme e esborrachado, de narinas dilatadas, minha boca arrematando a caricatura grotesca de um símio. Naquele momento, fechei os olhos e quis sumir. Sem rastro, sem laivo, apenas me pulverizar, acabando de vez com a existência dolorosa.
Inconsciente do que fazia, passei a me odiar, por ser negra e feia. Criei dentro de mim um monstro racista, maior do que todo o preconceito que eu poderia encontrar por parte de outrem.
Um dia, no finalzinho do ano, achei um bilhete bem dobrado dentro do meu caderno. A nota dizia: “Preciso falar, antes que fique louco. Te amo!”. Não... O papel estava endereçado a mim, como poderia ser engano?
E o remetente? André. O garoto de olhos castanhos, pele branca, cabelo claro, absurdo ar maduro. Além do charme inefável, com um dos dentes, o canino, levemente torto. Não era possível que gostasse de mim. Mais uma brincadeira estúpida!
No mesmo dia, à hora da saída, vi André de longe, recostado ao portão. Percebi que me esperava, porque sorriu. Era surreal, afinal, durante todo o ano letivo, não trocáramos mais que cinco palavrinhas. Mas ele sorria sim. E aquele canino superior não poderia estar mentindo... Mas fechei meus olhos para a verdade contida no riso do primeiro amor, e só pude ouvir o que minha alma gritava. Eu era esterco, jamais despertaria qualquer paixão.
Antes que o coitado do André terminasse de perguntar se eu recebera seu bilhete, disparei todos os tipos de xingamentos e, ato contínuo, eu chutei-lhe o saco. Mandei que me esquecesse, me deixasse em paz. Ele ainda me olhou, confuso... E eu quase acreditei.
Desde aquele dia, não tive mais notícias do André. Mas cresci, e percebi coisas que, àquela altura, era criança demais para entender. Não posso dizer que superei todos os traumas de quinze anos atrás, mas posso dizer o que quero para mim agora e para o meu futuro.
Quero continuar a ser uma mulher bem-sucedida, segura e dona de mim, apesar do que sofri. Não quero pena nem compaixão, quero oportunidade. Não quero que me dissequem, me esmiucem e me cataloguem, dizendo que sou preta, rosa ou azul. Eu sou, antes de tudo, eu. Sou humana, com algum senso-crítico e responsabilidade social.
E quero para as minhas futuras filhas e filhos, que eles tenham a chance de crescer em um Brasil diferente, mais humano, longe do enganoso estereótipo de nação que abraça a todos como filhos, mas, na realidade, segrega àqueles que não correspondem a determinadas expectativas.
Quem sabe, daqui a poucos anos, depois de mais algumas lágrimas e infâncias arrancadas, não consigamos formular enfim, ainda que a preço de sangue, uma identidade nacional verdadeira e honesta, sem máscaras, sem estratos.
Sempre terei minha própria vida como exemplo: nascer menina, pobre e preta no Brasil pode ser um pesadelo, quando nós mesmas discriminamos e anulamos nossas chances de felicidade. Ou quando acreditamos que mulher é mula de carga, que branco não ama preta, que rica não ama pobre, que bonito não ama feio...
Mas, por outro lado, nascer menina, pobre e preta no Brasil também nos faz entender, depois de alguns calos, que não precisamos sofrer eternamente no altar dos sacrifícios. Que, antes de tudo, somos gente, feitos primeiro à base de emoção e só depois cobertos de carne. Estamos para além da questão da pele, da melanina, do sexo.
E os que vierem depois de mim saberão disso tudo. Porque já está mais do que na hora de superarmos nossas leviandades, nossas picuinhas, nossos medos, e calarmos de uma vez todos os monstros sociais que insistem em anular o que temos de mais bonito: a nossa essência puramente humana, sem rótulos nem adornos. Humana. Eu sou humana, muito prazer.



segunda-feira, 21 de maio de 2012

MULHERES, REPITAM COMIGO:

— Não mendigarei o amor de ninguém. Também não barganharei usando o amor como moeda de troca. Amarei indistintamente. Amarei como me amo. Se não me amarem de volta, azar de quem me perdeu. Ou melhor, não sou coisa para ser possuída e perdida. Então azar mesmo é de quem não soube me valorizar. Todavia, ponho-me superior a tudo isso - sentimentos são preciosos demais para que eu estrague minha própria vida chateada ante a incapacidade ou desleixo emocional de terceiros.
Não vou deixar que me classifiquem, massacrando-me, nem aceitar rótulos alheios. Meu bom-gosto ou falta dele pode até ser julgado de acordo com o que porto ou trajo, mas isso também é relativo, e o meu valor real não é medido pelo tamanho do meu salto, pela cor do meu sapato, pela cor do meu esmalte, pela cor do meu cabelo ou pela cor da minha pele. Não tenho que me sentir inferior por que alguém diz: "Prefiro as branquinhas". Não tenho que me sentir inferior por que alguém diz: "Mulheres negras têm o corpo perfeito, as outras não". O que é o corpo? Matéria que se corrói. Não tenho que me sentir inferior nem mesmo se as minhas feições todas, até as microscópicas nuanças, não correspondem ao padrão de beleza preponderante. Não faço parte d'um gado. Ainda que eu busque minha identidade dentro de uma coletividade osmótica, não sou cópia, não sou réplica, não sou arremedo de ninguém.
Não vou deixar nenhum tolo tacanho me lobotomizar, fazendo-me acreditar que a sortuda sou eu, por ele estar junto comigo. Não vou encarar a vida como uma missão a ser cumprida unicamente para se subir ao altar e afins. Porque, se assim encaro, deixo de viver no momento em que me enrolar por entre as rendas matrimoniais ou amigadas. E fim.
Também não azucrinarei ninguém com minhas próprias exigências. Se quero algo, que venha de mim, e que eu seja a primeira dar. Mas que eu não seja a única. No momento cauteloso das primeiras interações, em que eu perceber que a hipotética outra metade não é a minha exata metade, da mesma maneira doada e rendida, revejo o cenário, pulo fora de cena.
Ademais, não fingirei que sou um poço de atitude, quando tudo o que eu quero é mergulhar-me em letargia, ver filmes românticos, de coque e pantufa, sentada no sofá com meus velhos.
Não vou fingir que tenho a vida mais emocionante do mundo, que fui a todos os lugares, que vi de tudo e provei de tudo, quando na verdade ser pura e simplesmente eu é tudo o que o meu coração almeja.
Não vou me iludir, fantasiar, por exemplo, repetindo o mantra: “Todos os machos da espécie me desejam”, com a convicção ilusória de que isso é felicidade, e de que minha "presença de palco" seduz a todos, e meu espírito aventureiro não me prende a ninguém, deixando, assim, um rastro de lágrimas e cacos aos meus pés.
Tudo o que eu quero, e que vou ser, é ser eu, sem a pretensão arrogante de ser eu e mais um pouco, quando o meu eu já encerra tudo. Terei dois ou três admiradores, dentre os quais papai e/ou mamãe, nenhuma bisonha ambição de sair por aí ferindo os corações de outrem, por mais glamoroso que isso pareça através das lentes cor-de-rosa.
Vou ser uma pessoa centrada, se é o que quero ser; cuidando bem de mim também, e zelando pela vida que carrego, por mais que vozes no entorno digam que o bacana mesmo é relevar, curtir despreocupadamente, desesperadamente, pular de noite em noite, de agito em agito, de trago em trago, de espetáculo em espetáculo, de horror em horror, de vazio em vazio. Banalidade cíclica! E se eu quiser ser quadrada? E se gosto de mim muito mais quando sou quadrada? Serei quadrada e pronto!
Que se danem as expectativas não maturadas. Os lugares que eu "tenho" que ir, as pessoas que eu "tenho" que conhecer, as iguarias que eu "tenho" que provar, os olhos que eu "tenho" que capturar!
Eu não tenho que comer sushi/sashimi só porque os outros ocidentais encasquetaram de "sacralizar" o arroz empapado e o peixe cru. Não tenho que ler os livros que todo mundo lê só pelo medo de, caso não o faça, parecer burra, bitolada ou antiquada e démodé.
Eu não tenho, na verdade, a obrigação de ser nada. E se eu quiser ser um nada, que seja, essa será a minha única obrigação! O meu dever, primeiramente, é comigo. Eu sou, aqui na Terra, em termos triviais e brutos, o meu melhor amigo. Pois eu é que convivo comigo mesma todos os dias da minha vida, convivo de dentro para fora, e vejo o mundo através dos meus próprios olhos. Se eu não buscar ser eu, rapidamente me sufocarei, e me matarei, e então viver dentro de mim será insuportável, porque serei eu e milhões de outros eus intoleráveis, intragáveis, oscilantes, multipolares. Por isso mesmo é que todas as mulheres de mim, já as matei. E a cada novo dia será um novo dia, mas eu permaneço sendo eu, aqui, aprendendo de mim e dos outros, crescendo e moldando-me, no entanto portando a mesma essência do meu eu, que é única, irrepetível, e só minha. Só eu.

“Todas as belezas contêm, assim como todos os fenômenos possíveis, algo de eterno e algo de transitório, de absoluto e de particular. A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é apenas uma abstração empobrecida na superfície geral das diferentes belezas. O elemento particular de cada beleza vem das paixões, e como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza particular.”
Charles Baudelaire



quinta-feira, 10 de maio de 2012

MINHA PINTA

Simplesmente odeio esta pinta. Odeio. Ela sempre me passa a sensação de que não deveria estar aqui, tão folgadamente alinhada em meio a meus poros, na bochecha esquerda.
Querendo ou não, a pessoa que tem uma pinta é diferente das demais. Vive como se não a tivesse, mas tem. A todo momento, o subconsciente do indivíduo detentor da pinta faz com que esse pobre inocente acredite que a tal da pinta não está ali, esquecendo-a satisfatoriamente. No entanto, ela está. E é só cruzar com um espelho, que a verdade outra vez se desnuda: Eis a pinta! Austera, invasora, caótica, assimétrica.
Viver portando uma pinta não é tarefa fácil. Quem as possui, sim, vive, mas nem sempre se conforma ou tranquiliza. Eu me conformo, algumas vezes, quando deixo de achar que a pintinha tem alguma relevância em minha existência - meu fracasso ou meu sucesso... Mas, na maior parte do tempo, ei-la, me incomodando!
Eu tiraria esta pinta. Tiraria mesmo. Queria ter um rosto uniforme. Não gosto que a genética ou o acaso das pintas imponha-me algo que não deveria estar aqui. De fato, todo o resto se comporta, ainda que nem sempre belo: nariz grande tem sua razão de ser, olhos meio tristonhos, segundo minha mãe, também têm sua razão de ser, queixo fino tem sua razão de ser, testa larga tem sua razão de ser, dentes de ratinho têm sua razão de ser... Mas, pinta?! Não!
No entanto, nos momentos em que a dita cuja me consola, seja lá por qual motivo, quando somos só eu e ela... Não sei...
Nesses momentos, chego a pensar que esta pinta faz de mim um ser não puramente diferente, mas também especial. Chego a cogitar hipóteses tão belas para o futuro, em que passarei pela rua, e todos apontarão, deslumbrados: "Olha!... É a garota da pinta!...". E então esta pinta será até maior do que eu. E todos me conhecerão como "a garota da pinta no rosto", "a exótica garota da pinta no rosto", e não mais eu terei uma triste pinta, e sim a pinta é que me terá em seu rosto...
E o devaneio logo passa, e volto a odiá-la. Mas que seria belo, ah!, isso seria...


terça-feira, 1 de maio de 2012

SABER-DE-COR

Cor, do latim, significa "coração".
"Saber de cor" é isto: algo que você aprendeu e internalizou de tal maneira, que aquilo ficou armazenado irrevogavelmente em seu íntimo — no coração.
É uma das expressões mais bonitas da língua portuguesa. Ignorada até uma dessas manhãs quaisquer da vida, assim, displicentemente, quando, na faculdade, brota, em meio a uma aula de Fonologia... Engraçado como surgem as epifanias. Então, a ideia nos captura, e nos faz reféns, não nos deixando nunca.
Saber de cor está para além do falso de(cor)ar sabatinado, do bê-a-bá, do aprender, recitar, para depois, caindo no limbo, esquecer.
Saber de cor é trazer algo para dentro de si, e deixá-lo ali, e nem mesmo os seus mais turbulentos intentos ou as mais caprichosas convicções são capazes de anular aquilo que você sabe com o coração.
Quando, racionalmente, você quer saber, usa-se o cérebro. No entanto, para que o saber faça parte de você, flua pelo sangue, inunde, percorra as veias, artérias, inflame os sentidos, então é necessário que se saiba de cor.
Saber de cor é tornar precioso aquilo que se sabe, jamais esquecê-lo. E a quantidade de coisas que assim você pode saber é infinita... Mas, atenção: Só guarde no coração o que real e imediatamente soe como algo que há muito tempo você procurava, como um pedaço que faltava, e agora eis aí; e você, completo.
Guarde, assim, estritamente, o que lhe for querido.
Guarde no cor, no cuore, no coeur...
No coração.


MEMÓRIA HUMANA

Quando a gente vai vivendo
Não sabe que vai vivendo
as nossas futuras lembranças.

E a gente vai vivendo
Na inocência de achar
Que cada momento dura
Eternamente
E não sabe que, de fato, o momento dura
Mas dura só na mente
Porque se torna lembrança rapidamente.

E a gente vai vivendo, sim
Achando que vai viver para sempre
E mal sabe que, no fim,
Tudo não passa de fragmentos...
Um poema...
Um cheiro...
Todos bem mortos no tempo
Só bem vivos na mente,
dentro da gente.

E a gente vai vivendo
Até que chega o momento
Que lembrança a gente também se torna
E forma lembranças na mente de nossa gente
E a gente e as nossas lembranças
Já não existem mais
Porque viramos a própria lembrança
Poeira
Areia
Silêncio.