segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

DO DESEJO

II
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.

Hilda

CONVULSA

Um sussurro na noite, vindo do corredor: eu só queria te falar uma coisa, que na semana passada eu não disse... Para que tanta perna, meu Deus?, pergunta meu coração, porém meus olhos não perguntam nada. Às vezes ela pinta a boca e sai. É o astronauta da saudade, com a boca toda vermelha. Mas quando você vai embora, movo meu rosto do espelho. Eu estava em paz quando você chegou. Na segunda manhã que te perdi, era tarde demais pra ser sozinho. Se um veleiro repousasse na palma da minha mão... A dupla esfinge: ela inventa e é inventada. Guardem os cadernos! Vou te guardar num pote. Para viver em estado de Poesia, me entranharia nestes sertões de você. A melhor definição de amor não vale um beijo. Por que tu me odeias? Bárbara, Bárbara, nunca é tarde, nunca é demais... Depois de ter vivido o óbvio utópico: te beijar, e de ter brincado sobre a sinceridade, e dizer quase tudo quanto fosse natural. Olhinhos marejados. Em estado de graça. Aboletado. Je ferme mes yeux, je suis responsable. Acho razoável. Quebrando paradigmas. Descer no conceito. Sem glúten. O café da manhã é a refeição mais importante do dia. Danúbio Azul! Noite crocante. A cidade inteira com teu cheiro. Porque o meu coração dispara. Eu penso tanto em desistir, mas, afinal, não ganhei nada... This is no Bridget Jones! Me chama de cavalinha, me deixa ser tua borboleta aquática. Love, love will tear us apart... again. Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza. Que o alimento deles já estava em ti. Ele me organizou por dentro. Who would have known how bittersweet this would taste...? Há algo de podre no reino da Dinamarca. Sossega, coração meu! Um dia acordarás num quarto novo. There's a bluebird in my heart that wants to get out but I'm too tough for him. Mas tais coisas não poderão ficar para sempre permeadas de ti. Girl, you'll be a woman soon. Penso em escrever uma história baseada na história que não vou viver. I know who killed Laura Palmer. E nessa confusão toda eu esqueci de perguntar quem é que vai me proteger de mim. Escrever é a licença de esquecer. I'm too much in my head. Um domingo melado. Sensualidade aberta e solar. Efêncora. A minha casa é a prosa. Van Gogh vendeu 1 quadro — pintou sempre. Hilda Hilst é um orgasmo múltiplo por minuto. Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados... If you dare, come a little closer. Não me atrevo. The roses had the look of flowers that are looked at. Tu es mon bel amour, mon anagramme. Mal te conheço, mal chegaste, e já quero te pedir que não me deixes. Como toda alegria, no mesmo do momento, abre saudade. Chanel nº 5. Me ouve um instante. Ígneo. Flutissonante. Alunissar. Melífluo. Plúmbeo. Filigranas. Escarlate. Como uma música do Coldplay, é tão fácil te gostar. Jane, be still; don't struggle so, like a wild frantic bird that is rending its own plumage in its own desperation. Lúcia acompanhou o meu movimento com um olhar tão cheio do que olhava, como se eu lhe bebera a própria vida nessas gotas tintas de seu sangue. 
— Se o bebesse todo!... balbuciou.
— Tu morrias, Lúcia! respondi sorrindo. 

UM POEMA DESFEITO DE OUTROS

Elas vêm sem avisar. Eu ali na sala à meia-luz, no silêncio de um domingo sem novas angústias, falando de Chico mas ouvindo pop dançante, no place i would rather be, em total dessintonia com tudo, tão incoerente, e de repente o estado de Poesia se instala no escuro: é alguém que sai de um apartamento no andar próximo, deságua discreto no corredor e sussurra ao telefone: "Eu só queria te falar uma coisa. Que na semana passada eu não disse...". São fragmentos de vida, que colho. Assim se instaura. E de tão coeso o mundo vira uma bolinha de gude quicando na mente, persistente. Quer se fazer. E você escreve. Pensa então em compor um poema todo feito de frases roubadas. Frases assim como essa sussurrada na noite morna de uma capital qualquer, o doce e manso e inofensivo plágio  é que é próprio de quem se alimenta de palavras deixar que frases alheias se escrevam em si. Aos avessos, o poeta se inscreve no que ouve e no que vê e lê e se lê no que escreve do que viu e ouviu. Sempre sem totalmente se dar conta. Assim mesmo tão perdoável. Por isso mesmo perdoável. A linguagem se faz presença. O poeta se faz caminho, conducto. O destino é mistério...