segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

UM POEMA DESFEITO DE OUTROS

Elas vêm sem avisar. Eu ali na sala à meia-luz, no silêncio de um domingo sem novas angústias, falando de Chico mas ouvindo pop dançante, no place i would rather be, em total dessintonia com tudo, tão incoerente, e de repente o estado de Poesia se instala no escuro: é alguém que sai de um apartamento no andar próximo, deságua discreto no corredor e sussurra ao telefone: "Eu só queria te falar uma coisa. Que na semana passada eu não disse...". São fragmentos de vida, que colho. Assim se instaura. E de tão coeso o mundo vira uma bolinha de gude quicando na mente, persistente. Quer se fazer. E você escreve. Pensa então em compor um poema todo feito de frases roubadas. Frases assim como essa sussurrada na noite morna de uma capital qualquer, o doce e manso e inofensivo plágio  é que é próprio de quem se alimenta de palavras deixar que frases alheias se escrevam em si. Aos avessos, o poeta se inscreve no que ouve e no que vê e lê e se lê no que escreve do que viu e ouviu. Sempre sem totalmente se dar conta. Assim mesmo tão perdoável. Por isso mesmo perdoável. A linguagem se faz presença. O poeta se faz caminho, conducto. O destino é mistério...

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