sábado, 4 de fevereiro de 2012

TIRANIA DA PRESSA

Texto para a coluna Antenados, do jornal Tribuna Amapaense, em 4 de fevereiro de 2012.

É incrível como, nos dias de hoje, vivemos com pressa. E quando digo “hoje”, tenho consciência de que essa corrida maluca não se iniciou há algumas semanas ou anos, mas há décadas, talvez no momento em que começaram a modernizar os computadores e massificar seu uso, lá pelos anos 70, ou então com a internet, em 80.
Entretanto, apesar de ser possível traçar alguns pontos específicos para o surgimento – ou agravamento – da fome de velocidade ao longo da história, é certo que a pressa, assim como o esmero e a paciência, sempre existiu. O homem (sabe-se lá desde que momento remoto) convive com a pressa como quem convive com a fome e a sede. Temos pressa em evoluir, conquistar, ganhar. Temos ambição pelo progresso e, consequentemente, com essa pressa de vencer, nós somos impulsionados a inventar, inovar, ajustar as circunstâncias às nossas necessidades e caprichos.
Contudo, a diferença entre a pressa de antes e a pressa de agora é que, no passado, os meios que usávamos para alcançar certos fins consistiam em uma preparação longa, cuidadosa, atenciosa, apurada, esmerada. Por exemplo, quando Alexander Graham Bell comprou de Antonio Meucci o arquétipo de um estranho invento chamado “telefone”, Bell certamente tinha pressa em aprimorar tal engenhoca. Mas essa pressa não fez com que o cientista atropelasse a si mesmo. Pelo contrário, a pressa de Graham Bell e de muitos outros personagens da história, era caracterizada pela paciência e minúcia com que se dedicavam às pesquisas.
Hoje, o que vemos é a tecnologia da pressa aliada a um estilo de vida nada saudável e nada feliz, ao contrário do que sugere a superfície. A pressa de hoje nos impulsiona não ao progresso (afinal, tudo parece já ter sido descoberto e inventado), mas sim a uma rotina frenética, estressante. E nosso principal objetivo nessa rotina é fazer o máximo de coisas (im)possíveis num curto espaço de tempo, entupindo assim os dias de uma enormidade de tarefas e afazeres que nos prometem um ciclo de vida escravista pelos próximos trinta, quarenta anos.
Temos pressa para tudo. Antes mesmo de fabricarmos um pensamento razoável na cabeça, antes até mesmo de abrirmos os olhos, o que vem nos brindar logo de manhã é a pressa, a pressa e suas demandas. E, se tempo é dinheiro, todo mundo também tem pressa em multiplicar tal tempo, tornando-o assim uma máquina de bilionários.
Leda ilusão...
O tempo, a pressa, o dinheiro, tudo isso é mais importante do que acordar de manhã e ter consciência de si mesmo? De onde se está e das boas possibilidades que se tem? E não me venha falar em derretimento das calotas polares, crise mundial, superaquecimento da Terra... Eu não tenho pressa em fatalizar nada! Eu quero é perceber que estou viva, e não ser engolfada pela falta de tempo. Falta de tempo até para sorrir, para gargalhar, para lacrimar de alegria.
Com ganas de otimizar nosso tempo, tudo tornou-se virtual. Mas, sinceramente, isso também é um saco! Compras, contas, interação social... Tudo pela internet?! Veja essa nova geração que emerge (ou será que já emergiu, tamanha a sua pressa?). Será, certamente, uma geração mais High-Tech e informacional que a anterior. No entanto, eu me pergunto: Será mais viva, será mais “Carpe Diem”, e todo aquele papo bucólico e bacana de “aproveitar o dia”?
Não!
A partir de agora, as novas gerações ascendem com uma pressa nociva entranhada em todas as áreas da vida. Querem amadurecer na marra e, em nome desse afã, pintam a casca de rosa e amarelo, quando o interior ainda está verde. O pior é que as velhas gerações também se deixam contaminar por tal febre e aderem-na, querendo transformar a vida numa maratona sem linha de chegada.
Acho que a única coisa boa na pressa é poder preparar um Miojo em menos de três minutos. Só que até mesmo esse curioso e ágil ritual gastronômico começa a desgastar seu charme. Porque, a cada vez que um pacotinho de macarrão instantâneo é aberto, e uma porção de água é colocada sobre a boca do fogão (o mesmo é válido para micro-ondas), mais e mais mentes se perguntam, aflitas: “Não dá pra ferver mais rápido?!”.