sábado, 15 de junho de 2013

O SABOR DE SER 19

[Como se hoje fosse ainda dia 14:]

  19 anos, hoje. São, pelo que diz a calculadora, 6650 dias. 79800 horas. Minutos infindáveis de uma existência quase que exclusivamente dedicada ao ócio improdutivo e à procrastinação eterna, mesclados com raros momentos de inspiração abobalhada.
  A verdade é que me sinto muito mais tendo 19 (tão abstrato e ao mesmo tempo tão concreto), do que sendo, propriamente, dezenove-anos. Eu tenho esse número exato, mas não é como se eu mesma ele fosse. Fico na indefinição do ser-se e/mas não sentir-se (deixe as ênclises aí).
  O próprio dia de hoje já amanheceu assim, dúbio. Belo, mas dúbio. Dúbia Fortaleza chuvosa, envolta num vento quase enregelante, ainda que com aquele mormaço sufocante e um sol de crestar miolos. Um calor-frio, uma luminosidade opaca, um brilho intenso filtrado por um céu nublado de grossos e cinzentos chumaços de algodão, enquanto se sua e se treme à espera do ônibus que nunca virá, porque o caos urbano não refresca nem mesmo para os aniversariantes.
  Contudo, embora eu molhada de inconstâncias e incertitudes, foi este um dia feliz. Um daqueles dias em que se sorri para os gatinhos marajás, paxás a se lamberem regiamente sob o sol da UFC, um daqueles dias em que não se enxota a formigona que subiu no seu pé, um daqueles dias em que você se descobre um ser amado.
  A minha ideia de velhice não era uma vida solitária rodeada por felinos. A minha ideia de velhice máxima, há alguns centênios, era completar 13 anos. Número não totalmente aleatório. Acontece que eu devia ter lá meus sete, quando uma prima mais velha, que morava no Rio, mandou-me uma carta, e nela havia um desenho cujo título era "Bárbara aos 13 anos". A figura angulosa conseguira mais ou menos domar um cabelo leonino e detinha uma estreiteza de dar inveja. Ter treze anos passou, assim, a representar o auge do amadurecimento, o ser alguém no mundo, com um metro quadrado de existência autônoma.
  E eu costumava achar um saco ser criança. Era cruel. Porque criança sofria (aqui o eco da menina que desde sempre foi um bocadinho melancólica), não podia participar das confabulações dos adultos na cozinha, e tinha sempre que ficar vigiando a postura e passando cuspe no joelho pra tirar a "tuíra".
  Enfim, alcancei os treze. Sem grandes arroubos. Passei pelos superestimados 18, e chego agora, discretamente, aos 19. Com aquele ar mais ou menos fatigado e o sorrisinho meio que desdenhoso-condescendente de quem enfim compreendeu o grande lugar-comum dos adultos: crescer não é tão mágico assim...
  É, afinal, só uma questão de ser forçado a aprender de uma vez por todas a atravessar a rua sem a mão amiga entrelaçada à sua; e é ainda apenas questão de fazer o seu próprio pedido à atendente no caixa do McDonald's (contendo o desejo ardoroso de pedir um McLanche Feliz e descolar para si aquele brinde tão maneiro do Keroppi); crescer é apenas uma questão de aprender a pegar o ônibus certo e fazer o favor de não chorar caso você se perca.
  Ter 19, ou mesmo o 13 idealizado, consiste basicamente em dominar todas essas habilidades desiluminadas. Não importa se você foi uma criança que aprendeu a pintar magnificamente com o lápis de cor, sem sair da linha, aos três anos de idade. O que importa ao externo é que você não seja um pobre coitado de 19 anos que ainda atravessa a rua feito um trem descarrilado e sofre com a voz embargada ao tentar perfurar a carapaça da timidez e fazer o seu pedido à mocinha impaciente e meio surda do caixa.
  Mas, bom, a intenção não era transformar esse texto num daqueles manifestos a favor dos que não querem crescer. Eu mesma não quero ser um desses que não quer crescer... Mas quero fazer de mim um daqueles adultos que se olham no espelho e conseguem se perdoar por terem crescido, e que não se levam muito a sério, e que gargalham sozinhos ao notar, depois de uma hora incessante de busca, que os óculos estavam, desde o início, estacionados no topo da cabeça!
  Enfim, todas essas bobagens rabiscadas simplesmente para balbuciar que foi este um dia bom, um dia feliz. O teor da reflexão murcha pode parecer ter sido feito para murchar também quem lê, mas não. São apenas aquelas coisas que a gente despeja quando encontra a desculpa de ter nascido no bendito dia presente.
  Por fim, notas de rodapé:  talvez a maturidade ordinária que se espera de alguém que se diz um 19 anos só me brote mesmo quando eu for para lá dos 30.
  Especificamente quanto ao dia de hoje, 14, gostaria que meu avô estivesse aqui em Fortaleza com a gente. E também a minha mãe. E minha irmã. E tios. E primos. Mas aceitar as circunstâncias intransponíveis com resignação e desprendimento faz parte também de crescer, eu imagino, e ao menos este amadurecimento eu me concedo (tento).
  Vovó chorou hoje, é claro, como era de se esperar. E o elemento desencadeador foi o "bonequinha" com que um de meus tios iniciou a mensagem de parabéns à aniversariante. E pensei, cá com meus botões (de celular): "Ainda bem que, neste país estrangeiro (que é a idade dos que já amadureceram), pelo menos nos permitem chorar...".

um vislumbre da velhice

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