segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A MINHA MÁQUINA DO MUNDO


Relanceio o relógio, distraída. 17:17. Opa!
Então encaro, estupidificada. Pela primeira vez, não sei o que pedir.
Trata-se do seguinte, explico: se você olhar para o relógio e ter a sorte de encontrar os mesmos números na casa das horas e dos minutos, é o universo que está sendo bondoso e te dando a chance de pedir qualquer coisa que você queira na vida, bem ali, naquele momento. Não há dúvidas quanto à realização do pedido. O método é infalível. Mas existem variações de sua aplicabilidade.
Por exemplo: para alguns, as horas siamesas são unicamente o indício de que alguém pensa em você. Quase aquela coisa das orelhas que esquentam, porém um tanto mais romântica. E há ainda os que vão além, acreditando que olhar a hora repetida é prenúncio de que o amor que você sente por alguém se faz correspondido, e que vocês dois acabarão se casando dali a uns anos, em plena primavera, tendo três filhos, um poodle fedorentinho e um apê atulhado de livros numa metrópole qualquer – corrente de pensamento adotada sobretudo nas raias da quinta série.
Mas eu, euzinha, eu particularmente sempre, sempre preferi acreditar que ter a sorte de olhar as horas no momento exato em que são marcados os mesmos números é a gloriosa e indiscutível chance de pedir o que for, seja de qualquer universo ou tamanho, material ou invisível. Bastava ser dizível. Assim me parecia muito mais generoso, e não custava mesmo nada...
Então, ao longo dos anos, meus fervorosos pedidos variaram entre as coisas mais loucas e as coisas mais simples, porém sempre desejadas – e imediatamente cridas – com um fogo galopante e olhinhos estreitados.
Minhas ambições iam desde "que eu vá bem na prova de amanhã! " até "que eu vá pro céu quando eu morrer!", ou mesmo "que a conversa séria que a mamãe disse que ia ter comigo hoje não seja nada!" e "que eu ganhe um violão este ano!", ou ainda "que eu seja uma escritora um dia!".
Então, de repente, cá estou, 20 anos. 17:17. Não posso escapar. É a minha bênção, a minha missão, é o meu momento, é o meu pedido. E olho para a hora, e não me ocorre nada, nadinha de nada. Nada dizível. Aquele inarticulado, impassível hiato na mente é estranho e um tanto assustador. Deu tela azul. Pam!
Não consigo pensar em qualquer coisa que eu deseje mais, bem acima de todas as outras coisas que eu desejo ao mesmo tempo. Daí meu coração e a minha mente vão se dando conta, naquele átimo, de que algo acontece, algo aconteceu. Há em mim um caos de vontades simultâneas. Não mais aquela lealdade da infância a uma ideia fixa.
A mudez mental diante do relógio não existe por não existirem mais os desejos. Ela existe porque, de algum modo, a essa altura, tornou-se difícil demais organizar e estabelecer a hierarquia das vontades... Todas elas se colidem e se massacram, e nenhuma enfim alcança nobreza ou convicção suficientes para se fazer vencedora.
Me encerro no silêncio. Primeiro, há só uma pequenina melancolia, já companheira minha. Depois, uma impassibilidade docemente melancólica. E vejo, com resignado desamparo, minha hora mudar para 17:18. Lennntamennnte... Leva consigo, ofendida e melindrada, a primeira e única janela temporal de sorte que não abri e de que não desfrutei. Suspiro, olhos perdidos. Ombros quedados. Volto aos trabalhos.

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