sábado, 30 de outubro de 2010

AMOR DE TRAVESSEIRO

Um amor de anedota, um amor de folhetim, um amor de vanguarda, um amor de verão...? Nada disso se compara a um "amor de travesseiro". Amor inexplicável, que surge do mistério, do mistério de cada dia, e cada dia um dia-a-dia.
Quando eu digo que te amo, é porque te amo mesmo. No travesseiro, na cama, fora dele, em qualquer lugar. E seu eu não digo com palavras, digo com olhos, então me olhe.
Às vezes, eu digo mesmo, tanta besteira, tanta coisa pouca... Mas o que eu quero? Te quero, ora! E quando eu digo que não quero nada, quando eu digo que pra mim já chega, quando eu digo que estamos por um fio, que eu não quero conversar, que eu não quero brigar, só o que que eu quero dizer é: "Me abraça".
O meu amor de travesseiro é você. Quem mais? Um amor que eu ainda nem descobri de todo.
Chego em casa exausta, os pés latejam, os olhos ardem. Você me espera. Na cama? Talvez. Deitado no sofá, a TV ligada, a cochilar, um locutor de esporte - um jogo qualquer - a falar de coisas que eu não entendo, mas que você curte e entenderia, se nesse momento não estivesse pescando no sétimo sono.
Eu me aproximo. Talvez um tabefe. Um tabefe leve, carinhoso. Não, poderia ser mal interpretado. E só o que eu quero... É pular, me rasgar, me debruçar inteira, me expor, me mostrar, e dizer: "Vê só? Essa sou eu. E ainda continuo apaixonada por você desde aquele primeiro dia".
Então uma canção tira sarro de mim no rádio. "If you fall for me...". Eu sorrio. Algum rádio distante, não, um iPod conectado, a vizinha, a pré-adolescente, nada de rádio, os tempos mudaram. E eu sorrindo, parada na sala, a te contemplar, sabendo quão boboca é ser durona e estar apaixonada.
Amando um cara com quem você está há... Há quanto tempo? Quando se casaram? Ontem, hoje, dois anos, dez anos atrás? Nem sei, não sei bem. Sei que esse momento eu não troco. Porque é tão difícil separar um em que eu não esteja gritando com você... E eu odeio fazer isso... Gritar, brigar contigo, te xingar e te abraçar, para então ir dormir nos teus braços. Pois é. Suspiro. "Se você ficar caidinha por mim..." Ah, meu querido, eu já estou.
Eu me ajoelho. Eu deixo a pasta logo ao lado, ajoelhada também, no chão. E te olho. E meus olhos se enchem de uma água misteriosa, que coisa mais engraçada! Eu nunca choro. E quero tanto dizer que te amo, eu... Você acorda.
E sussurra bem baixinho um oi, um sorriso, mas a voz é rouca, áspera de sono. E sua mão, como se tivesse nascido ali, como se nunca tivesse saído, sobe pelo ar e pousa no meu rosto, na minha bochecha esquerda, até que eu incline a cabeça assim de leve, a fim de repousar nos teus dedos. O que é, hein? O que conseguimos, o que construímos, como sobrevivemos sem que eu destruísse você? É que às vezes sou tão má. E tenho medo de não ser capaz de contar a novidade. Será que ele vai gostar?
Ele me beija. Percebe que estou mexida, mas não comenta. Sempre tão doce, tão calado, tão calmo e tranquilo. Um cara tranquilo. O que será que faz comigo? Sua mão descobre a blusa e me descobre. Apalpa o seio. Aprofunda o beijo. Me puxa para cima, sobre ele, no sofá. Rostinhos colados, tenho quase medo. Ainda não superei essa fase?
Ele me pergunta se estou bem, subindo a mão pela minha coxa. Estou, é claro, estou, estou bem, como não? O medo é daquela outra parte, aquela em que fico em dúvida se você ainda me quer ou não. Se vai aguentar, se vai me aguentar até o fim. Porque sou tão má, tão maldosa, tão egoísta, tão cheia de coisas. Explodo com facilidade, grito, esperneio, chantagista, e depois jogo tudo em você. Mas que coisa, cara, o que é que você fez comigo? Me transformou numa molenga e depois atira a minha saia de linho fino num sofá à meia-luz, seis horas da tarde de uma tarde de locutor de esporte.
Te amo. Te amo mesmo. Me desculpe por tudo o que falei, por tudo o que disse, por tudo o que gritei.
Aquela noite, eu não consigo esquecer. Eu estava tão brava com você, brava comigo, por não ser mais delicada, por sempre te espezinhar, e por te fazer fazer um esforço duplo, o meu e o seu, pra esse casamento dar certo. E então eu estava chorando, chorando baixinho, porque odeio chorar, odeio ser fraca, de costas para você. E não suportando mais aquelas duas horas que passamos de mal, de repente você me busca debaixo do edredom, sobe no meu travesseiro - sua cabeça ocupa todo o espaço! - e então eu reclamo, rindo, rindo do meu amor de travesseiro, que me pede desculpa até quando eu sou a culpada, quando causei a briga e não sei fazer mais nada. E ele me pega, me olha assim tão fundo, diz que o meu nariz está gelado, mas que ele não se importa, e me vê chorar. E eu ando tão triste, tão confusa. Agora, calma, ele me pergunta o porquê. Não quero dizer, não tenho certeza. Ele me abraça, me aconchega, me faz um cafuné, me enche de desejo. E então eu percebo que não quero outra coisa além de um amor de travesseiro.
Talvez um amor de travesseirinho.
E meus olhos na sala se enchem de água.
- O que foi, amor?
- Estou chorando.
- Eu sei. Percebi. Mas por que é?
- Porque você me suporta.
Ele ri.
- Quero te contar uma coisa.
E me beija e estica a alça do sutiã.
- Vamos em frente.
Eu respiro fundo. Quero arrancar os pulmões. É ele, o meu prometido, o meu comedor de sapos, um verdadeiro príncipe. Eu sou rã.
Então eu solto o ar lentamente. Olho nos olhos dele, que tira uma lágrima sacana que teima em rasgar o momento. E uma trilha de fogo daqueles olhos castanhos. E é tudo o que eu preciso.
- Estou grávida.
E ele me olha. E explode de alegria. E chora e ri, e me põe de lado, esquecendo por um momento que sem mim não há cria. Mas então me pega de novo, de pé, me gira, e depois me olha preocupado, se perguntando se me chacoalhar pode ser ruim para o bebê. E como é que pode? Eu demorei duas semanas para perceber, mais duas para entender, três dias para confirmar, e mais dois para me acostumar. E ele age assim, em menos de dez segundos.
Ah, o meu amor... Um amor de travesseiro. Que à noite, de madrugada, quando acha que eu estou dormindo, percorre minhas costas com os dedos, beija meu queixo, e me puxa pra perto.
Um amor de travesseiro.
Agora são dois.

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