terça-feira, 24 de agosto de 2010

UMA DOSE DE ESTROGÊNIO


Ao longo dos anos, nossa sociedade vem crescendo e ocupando cada centímetro de terra no mundo, de modo cada vez mais célere. O avanço tecnológico e tantos outros recursos mecânicos possibilitam aos seres humanos - que, ao contrário de suas máquinas, são constantemente dominados por suas emoções e fraquezas e julgados por seus atos - atinjam o apogeu do desenvolvimento econômico, social, e também pessoal. E tão inerente a este exorbitante avanço e progresso quanto as próprias conquistas, persiste ainda, em nossa sociedade (formada por seres humanos falhos e limitados), as mesmas segregações e prévios conceitos (preconceitos) de outrora.
Pobres e ricos continuam separados por um abismo, e pouca coisa tem sido feita a fim de mudar a condição dos que têm menos, ou pelo menos extinguir a divisão de classes e buscar distribuir cultura e estudo a todos, de modo que as chances na sociedade se equiparem.
Doentes, mentais e físicos, continuam esbarrando na intolerância dos ditos “sadios”. A igualdade é encarada como algo impossível, mas o que se esquece nestes casos é que tal conceito, “igualdade”, independe da condição física ou psíquica de alguém, pois ainda que todos fossem livres de mazelas, continuaríamos a ser diferentes, tanto em personalidade quanto em aparência. E com isso se entende que a igualdade entre as pessoas não é caracterizado como estabelecer semelhanças entre elas, mas sim possibilitar as mesmas condições, chances e privilégios a todos. Isso é igualdade.
Pessoas de etnias, raças, cores diferentes continuam a enfrentarem entre si um preconceito racial que, por mais absurdo que pareça, persiste desde o início dos séculos e das descobertas dos novos mundos pelos desbravadores europeus.
E, além de todos esses e os outros exemplos de desigualdades e preconceitos sociais, há ainda a constante e sufocante busca pela desigual igualdade entre homens e mulheres.
A separação dos gêneros talvez seja a mais antiga e extenuante batalha do mundo, já que não principia dos dias atuais, mas vem impregnando as mentes desde que o conceito de “pintando na caverna” foi construído.
Na Grécia antiga, na cidade-estado de Atenas, as mulheres eram vistas na pólis como o mecanismo gerador de filhos e prazer, nada mais. Eram excluídas das decisões políticas e nenhum direito lhes era concedido além do de existir. Péricles declara que “as preocupações sociais não lhe dizem respeito”, por isso devem ser mantidas trancadas dentro de casa, habitando seu espaço denominado “gineceu” dentro do lar, e zelando apenas por questões domésticas, sem ir contra a intervenção do marido.
O homem podia também repudiar a sua mulher, sem precisar expor pretexto algum, com a única condição de lhe restituir o dote. Da mesma forma como lidamos com objetos.
De fato, nas sociedades antigas, as mulheres não eram nada muito além disso. A situação delas era não só de inferioridade e submissão ao poder masculino incontestável, mas também de humilhação e miséria psíquica. E de pensar que os atenienses inventaram a democracia primitiva...
Em Esparta, as mulheres eram tratadas com um pouco mais de apreço. Recebiam, igualmente aos homens, a educação militar, sendo preparadas para assumir funções de administração pública quando os homens estivessem fora da pólis, nas batalhas. Apesar de os espartanos serem homens lacônicos e taciturnos, de hábitos severos e sem luxo, militares na essência, eles prestavam atenção às mulheres e lidavam com elas de modo um pouco mais maleável. Aturavam-nas. Isso porque acreditavam que elas podiam interferir no ato de parir bons guerreiros. Cuidavam relativamente bem de suas mulheres porque queriam que elas dessem à luz seres fortes e sadios.
E hoje, depois de séculos passados desde essas primeiras mentes e parâmetros sociais, ainda persistem as injustiças. Em algumas tribos e aldeias africanas, por exemplo, os homens sacrificam as mulheres arrancando-lhes o clitóris. Elas são abstidas de receber prazer na produção de petizes, no ato sexual. Não seria este mais um preconceito falsamente maquiado pela capa do rudimentar?
Essas desigualdades e maldades para com o sexo “frágil” persistem. Muitos homens afirmam que as mulheres já ocuparam seu espaço e que devem dar-se por satisfeitas. Mas devemos refletir mais a fundo sobre isso. Será mesmo que o sexo feminino é reconhecido como sendo forte, inexpugnável e capaz, tanto quanto os homens o são?
A resposta para tal questão é negativa. A mulher pode ter conquistado muitas coisas ao longo dos séculos, no entanto, o que elas buscam não é apenas a ascensão social. As mulheres de hoje querem, além de ser reconhecidas, serem tratadas como gente pensante e apta a mostrar muito mais do que centímetros de pele e quadris rodopiantes. As mulheres desejam ter salários iguais aos dos homens, sendo que muitas delas exercem as mesmas funções e ganham menos que eles. As mulheres desejam que não as subestimem quando são encarregadas de tarefas intrincadas e de risco, porque de fato são capazes de fazê-lo, e assim como todo ser humano, o que as mulheres buscam é não só um voto de confiança, mas seu espaço merecido, um espaço que lhes foi negado desde o início das sociedades, e que, mais tarde, lhes foi devolvido como um direito, mas pelo qual elas ainda lutam até hoje, o que só atesta a discrepância entre os sexos e o modo desconfiado como os homens ainda encaram as realizações femininas.
A conquista de direitos e espaço das mulheres ao longo dos anos, só serviu para que a sociedade se tornasse apenas minimamente mais democrática – a visão machista de que as mulheres não devem ser nada além de donas de casa perdura através dos séculos e, por mais irônico que seja, detrás do comportamento “moderno” que possuem, muitas mulheres de fato acreditam terem nascido para a cozinha.
As buscas incessantes das mulheres pelo sucesso é a prova de que as injustiças continuam firmes e intocáveis. O abismo entre homens e mulheres subsiste, e o conceito de “justo” e “injusto” permanece relativo e mutável.
A única certeza que nos rege, então, é a de que as mulheres são seres dotados de inteligência, assim como os homens, e ao contrário deles, de sensibilidade, percepção infalível, emoções complexas e sagacidade nata – o único estorvo que as impede de dominarem o mundo é o fato de competirem umas com as outras, competirem consigo mesmas, e ainda competirem com os homens, numa busca um tanto cruel e desigual pela perfeição e pelo êxito, a qual se transforma, muitas vezes, numa condenação mais cruel e estressante que o próprio preconceito.
As mulheres não querem deixar de ser mulheres. O que as mulheres buscam é algo mais profundo, vai além de meras posições e direitos vagos garantidos pela lei e esquecidos na prática do dia-a-dia. O que as mulheres buscam é deixar de estarem aquém de outros seres humanos, no caso, os homens, porque nessa relação, nenhum dos dois – nem homem nem mulher – foi criado para ser inferior. Ambos existem para se completarem, trabalhem juntos e terem as mesmas oportunidades.
As mulheres jamais esqueceram que não possuem tantos músculos quanto os homens, e nem que são, em alguns aspectos físicos desfavorecidas e desprovidas de força bruta. No entanto, a massa encefálica é a mesma. Portanto, a capacidade de produzirem e progredirem, de construírem uma sociedade cada vez mais sustentável e desenvolvida é a mesma. É possível ainda dizer que as mulheres tenham até outros dons que compensam a falta de músculos e da tal força bruta, como, por exemplo, o dom de ser mãe. O dom de entender tudo com um olhar, de estar atenta aos detalhes e não subestimar os assuntos referentes à emoção, sem deixar as questões racionais de lado.
Será difícil mudar anos e anos de história, transpor toneladas de pedras sobre as quais estão erguidas as ideias e os conceitos da nossa sociedade hoje. Mas devemos estar certos de que podemos construir novos rumos.
Ainda estamos longe de obter o êxito completo nas batalhas, o que muitas vezes tem se mostrado um esforço hercúleo por parte dos lutadores, mas novos horizontes já vêm despontando ao longe; e o simples fato de podermos falar sobre o assunto e expressar opiniões a respeito do buraco de desigualdade que existe entre homens e mulheres, já é a prova indiscutível de que algo está mudando em nossa sociedade.
Amanhã, quando olharmos para trás e buscarmos as raízes de nossas conquistas, lembraremos sempre de que nada poderá ser construído sem que haja parceria. E agradeceremos àqueles que lutaram por tal coisa. Pela parceria e, acima de tudo, pelo dissipar de ideais anacrônicos e tendenciosos.
Lembraremos amanhã dos que hoje lutaram pelo despertar de mentes, e por um novo conceito: O de que mulheres e homens possuem a mesma capacidade de cultivar o mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário