sexta-feira, 13 de março de 2015

SOÇOBRO

Tudo o que eu tenho guardado num porta-joia de pérolas são escamas, ásperas. Arranquei-as contra a vontade do peixe. Sufoquei-o com uma moeda de prata. Não era a mesma moeda e nem era o mesmo peixe do Evangelho. Era um dobrão de intenções todas perversas, nele lavradas. O peixe morto voltou ao mar e eu fiquei com as mãos cortadas, com a água pairando à altura dos artelhos, e cabelos molhados como que feitos de algas azuis e enxofre. E quando me dei conta era na minha glote que a moeda girava, fincada, e nos meus olhos é que as escamas como garras se escondiam. Esta terá sido no futuro do meu passado a crônica dos meus amores, esfacelados, descrita nos pergaminhos indeléveis de aço cromado cheirando a peixe. Escamas frágeis que fingi joias. A coleção completa esquecida dentro da caixinha de pérolas silenciada na gaveta da escrivaninha Luís XVI do antiquário da rua Campo Amor que negocia agora nenúfares porque no futuro se descobriu que nós do século superado havíamos entendido errado todo o conceito do que tem valor.

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