sexta-feira, 13 de março de 2015

CAVALEIRA MEDIEVAL AGUARDA O DIA DE SE DESPOJAR DA ARMADURA

Quando eu me calar saberás que é porque mais te quero. Mas chegará o dia em que meu silêncio será o silêncio de quem já partiu no veleiro dos que esqueceram teu nome. Muito embora agora: dentro da armadura medieval sou pasta cremosa, feita de Leite Moça, mulher, idiota. Vou me afundando no aço da minha vontade fajuta. Sou uma fraude. Forjei todas as resoluções -- não as queria, para dizer a verdade! Agora, em doses de cianeto, cada passo meu retumba como a escolha inevitável de um filósofo resignado que caminha para seu fim, querendo, é claro, ser como o mais covarde ou o mais cínico dos sofistas. De que me vale a grande e boa intenção? De que me vale perdurar, quando amoleço? De que me vale a água toda que me jorra, se a trocaria por um punhadinho de felicidade simulada, solar, a teu lado? Sou inesgotável sentir-se-só. Queria um barco. Fosse como fosse, fosse de papel, um barco. Que me levasse pela enxurrada da água da chuva até tua casa, na rua do doutor que descobri. Levei dois, três anos aqui, vivendo esta vida de trajetos normalíssimos. E agora em cada esquina o meu coração palpita porque toda esquina se tornou o próximo canto em que te encontro um tanto, mesmo que não estejas. Te recrio. Te reconto. Vou levando. Rotina. Acostumo. A armadura pesa. Tem dias que estou mais firme, tem dias que estou mais triste. Quando virá o escafandrista vestir a minha roupa de soldado? Eu passo a tocha a chama acesa o fogo o lastro. Quando eu terminar de sofrer, começará teu sofrimento, escafandrista. Serás tu a olhar por tuas janelas, tua escotilha, perguntando-se: "Onde está...?". Onde estou? Estarei longe. Tão longe que nem mesmo o murmúrio do teu pensamento poderá me alcançar, nem mesmo se usares o barquinho de papel que eu deixei para trás, ancorado a teu porto. Teu porto era vazio quando cheguei. E agora voltas a ele, e já escurece, e acenas do píer da sombra de um querer que se esquivou e de repente voltou atrás quando era tarde demais (e sempre foi, tendo começado na quadragésima primeira primavera nublada, quando já se corria a corrida marítima dos velhos rumo a canto algum...). Chegará o dia, escafandrista, em que esquecerei até qual era a ordem do teu nome. O que vinha antes, o que vinha depois... Não mais importa. Tu és água que passou. Por ora, derreto por dentro, ainda que por fora endurecida. Mas chegará o dia.

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