segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DESCREVER O QUE NÃO SE SENTE

A escrita nos abre milhões de janelas que só mesmo a imaginação pode construir. Uma dessas janelas abertas chama-se "experiência". Porque experiência não diz respeito necessariamente àquilo que se experimentou em vivência - ou seja, o que foi táctil, o que foi palpável, filtrado pelos sentidos mais físicos -, mas sim diz respeito a tudo aquilo que se pode degustar em espírito, com a mente. A palavra então traz esse mundo de areia construído sobre rochas de vento para a plataforma de papel - ou eletrônica, ou calçada, ou troncosa, o que seja!
Experimentar não é viver no corpo somente, mas também vivenciar dentro de um processo de pensamento completo, e tornar ainda mais sólido através da palavra. Descrever o que não se sente, descrever o frêmito, o arrepio, o toque. Dedos invisíveis que deslizam pela derme como um trem sem destino e sem pressa. Olhos que rolam preguiçosamente e com carinho sobre a pele que cheira a Nivea. Sorrisos que se insinuam porque o toque é bom. Dedos que, após o caminho, se entrelaçam. E os pelos dos braços ouriçados, e os pelos das pernas tolhidos pelo jeans. A mão agora atada em outra que sobe novamente pelo ombro macio e alcança a face que se cora, coraliza. E pula outra vez a bochecha num sorriso desses meigos de fazer o coração gelar e ferver ao mesmo tempo. E o sorriso de resposta, dono do toque-ouriço, tem a barba por fazer e espeta, mas é delícia. Roça no pescoço, dizer cangote é mais gostoso, aconchega-se naquele canto que a gente chama "curva dos enamorados", a pele macia, o vão entre nuca e clavícula, e cheira bom.
Chega mais perto, olhos nos olhos, eles se têm capturados. Quem dirá daqui a um ano, dois, dez...? Mas, que importa isso agora? Olha só como se olham, olhos nos olhos, e o acanhamento de finalmente se flagrar assim tão apaixonado, mas tão, que o termo perde o sentido, fica vagando desconexo entre duas almas e dois corpos que se querem bem mais do que precisam de espaço, tempo, ar. E, achegados, assim, de mansinho, vagarzinho, esse olhos nos olhos e dedos nos dedos, forte, porque o compromisso agora se mostrou em toda a sua proporção monumental, são as barrigas que se chocam, as respirações no compasso do descompasso, vem de novo, toma os lábios, e estes se abrem, e se achegam também.
E posso não estar vendo ou provando a cena, mas sei que acontece, porque se materializa em minha mente, escorre por essas paredes tão vazias, tão cheias de tudo, e então vêm pelo córrego direito, fazem a curva ao pé do leito miocárdio o outro extremo esquerdo, então desaguam pela mão destra, fazem seu caminho rumo a um texto tão bem, tão sem razão, que sua única certeza é ser brutalmente real, brutalmente sentido, mesmo não sendo.

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