quarta-feira, 14 de março de 2012

JANELA D'ÁGUA

Estávamos eu e ela presos na casa, a noite fria, porque chovia muito. Eu não tinha certeza do que significava toda aquela escuridão, ou todo aquele nervosismo, mas eu sei que sentia.
Sentia milhares de coisas ao mesmo tempo, e o vento que entrava pela janela era bom. Me fazia recordar de coisas que eu ainda nem vivera, e me fazia ter vontade de ser grande só pra ter vontade de voltar a ser pequeno...
De algum modo pressenti que aquelas férias no sítio seriam únicas, e que aquele momento em especial, preso na casa, a casa fria, era tudo muito lindo, no futuro formaria um belo quadro na minha lembrança. Melhor ainda do que formava então.
Eu só vontade de estar ali, nenhum lugar mais. A janela aberta, a escuridão... O vento noturno soprava, e entrava, e a gente com medo de que aquela ventania toda apagasse as velas. Éramos todos movidos a lamparina e cera. Era bom.
Eu sentei-me no chão gélido, chão de pedra, bem em frente à janela. Fiquei olhando o céu do sítio, e as bordas da janela que se liquefaziam junto com a chuva, e escorriam para dentro e para fora.
Ela veio e se sentou ao meu lado. Ficamos namorando a noite. Aquela noite tão escura, e tão viva, e ardente. Fazia frio e nós, aquecidos.
Ela não ligara muito para mim durante todo aquele tempo... Julho passaria sem que nos olhássemos de frente, não fosse aquela linda noite, aquela líquida janela. E eu padeci, o muito tanto que é permitido a um menino banguela, ainda aberto e sem verniz, padeci de amores por ela.
Aquela noite... Aquela noite trouxe em suas asas de vento um punhado de novidades, promessas de futura nostalgia, de cheiro de sereno, de descoberta, aqueles, aquela, aquilo. Ela que se sentou ao meu lado, e olhou a chuva comigo. Trouxe consigo uma vela. A vela logo se apagou. Os adultos dormitavam nas cadeiras, ao redor. Nós nos amávamos. Amávamos com os olhos, e nos devorávamos em curiosidade... Tudo isso com o poder das pupilas dilatadas. Ela me olhava pela primeira vez.
A noite de chuva no sítio, que descortinou a nós dois um mundo novo. O mundo do menino que de repente, em meio à água transparente da tempestade noturna, se torna um universo de cores e coisas indizíveis...
E depois você entende por que vale a pena viver por uma só lembrança, uma lembrança sem malícia alguma. A lembrança é a esperança da repetição, esperança de que uma chuva como aquela, e uma amante de olhos, banguela que nem ela e também como eu então, voltem a habitar a retina - viva, presente -, não só a memória e as fugidias reminiscências do coração.


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