segunda-feira, 21 de maio de 2012

MULHERES, REPITAM COMIGO:

— Não mendigarei o amor de ninguém. Também não barganharei usando o amor como moeda de troca. Amarei indistintamente. Amarei como me amo. Se não me amarem de volta, azar de quem me perdeu. Ou melhor, não sou coisa para ser possuída e perdida. Então azar mesmo é de quem não soube me valorizar. Todavia, ponho-me superior a tudo isso - sentimentos são preciosos demais para que eu estrague minha própria vida chateada ante a incapacidade ou desleixo emocional de terceiros.
Não vou deixar que me classifiquem, massacrando-me, nem aceitar rótulos alheios. Meu bom-gosto ou falta dele pode até ser julgado de acordo com o que porto ou trajo, mas isso também é relativo, e o meu valor real não é medido pelo tamanho do meu salto, pela cor do meu sapato, pela cor do meu esmalte, pela cor do meu cabelo ou pela cor da minha pele. Não tenho que me sentir inferior por que alguém diz: "Prefiro as branquinhas". Não tenho que me sentir inferior por que alguém diz: "Mulheres negras têm o corpo perfeito, as outras não". O que é o corpo? Matéria que se corrói. Não tenho que me sentir inferior nem mesmo se as minhas feições todas, até as microscópicas nuanças, não correspondem ao padrão de beleza preponderante. Não faço parte d'um gado. Ainda que eu busque minha identidade dentro de uma coletividade osmótica, não sou cópia, não sou réplica, não sou arremedo de ninguém.
Não vou deixar nenhum tolo tacanho me lobotomizar, fazendo-me acreditar que a sortuda sou eu, por ele estar junto comigo. Não vou encarar a vida como uma missão a ser cumprida unicamente para se subir ao altar e afins. Porque, se assim encaro, deixo de viver no momento em que me enrolar por entre as rendas matrimoniais ou amigadas. E fim.
Também não azucrinarei ninguém com minhas próprias exigências. Se quero algo, que venha de mim, e que eu seja a primeira dar. Mas que eu não seja a única. No momento cauteloso das primeiras interações, em que eu perceber que a hipotética outra metade não é a minha exata metade, da mesma maneira doada e rendida, revejo o cenário, pulo fora de cena.
Ademais, não fingirei que sou um poço de atitude, quando tudo o que eu quero é mergulhar-me em letargia, ver filmes românticos, de coque e pantufa, sentada no sofá com meus velhos.
Não vou fingir que tenho a vida mais emocionante do mundo, que fui a todos os lugares, que vi de tudo e provei de tudo, quando na verdade ser pura e simplesmente eu é tudo o que o meu coração almeja.
Não vou me iludir, fantasiar, por exemplo, repetindo o mantra: “Todos os machos da espécie me desejam”, com a convicção ilusória de que isso é felicidade, e de que minha "presença de palco" seduz a todos, e meu espírito aventureiro não me prende a ninguém, deixando, assim, um rastro de lágrimas e cacos aos meus pés.
Tudo o que eu quero, e que vou ser, é ser eu, sem a pretensão arrogante de ser eu e mais um pouco, quando o meu eu já encerra tudo. Terei dois ou três admiradores, dentre os quais papai e/ou mamãe, nenhuma bisonha ambição de sair por aí ferindo os corações de outrem, por mais glamoroso que isso pareça através das lentes cor-de-rosa.
Vou ser uma pessoa centrada, se é o que quero ser; cuidando bem de mim também, e zelando pela vida que carrego, por mais que vozes no entorno digam que o bacana mesmo é relevar, curtir despreocupadamente, desesperadamente, pular de noite em noite, de agito em agito, de trago em trago, de espetáculo em espetáculo, de horror em horror, de vazio em vazio. Banalidade cíclica! E se eu quiser ser quadrada? E se gosto de mim muito mais quando sou quadrada? Serei quadrada e pronto!
Que se danem as expectativas não maturadas. Os lugares que eu "tenho" que ir, as pessoas que eu "tenho" que conhecer, as iguarias que eu "tenho" que provar, os olhos que eu "tenho" que capturar!
Eu não tenho que comer sushi/sashimi só porque os outros ocidentais encasquetaram de "sacralizar" o arroz empapado e o peixe cru. Não tenho que ler os livros que todo mundo lê só pelo medo de, caso não o faça, parecer burra, bitolada ou antiquada e démodé.
Eu não tenho, na verdade, a obrigação de ser nada. E se eu quiser ser um nada, que seja, essa será a minha única obrigação! O meu dever, primeiramente, é comigo. Eu sou, aqui na Terra, em termos triviais e brutos, o meu melhor amigo. Pois eu é que convivo comigo mesma todos os dias da minha vida, convivo de dentro para fora, e vejo o mundo através dos meus próprios olhos. Se eu não buscar ser eu, rapidamente me sufocarei, e me matarei, e então viver dentro de mim será insuportável, porque serei eu e milhões de outros eus intoleráveis, intragáveis, oscilantes, multipolares. Por isso mesmo é que todas as mulheres de mim, já as matei. E a cada novo dia será um novo dia, mas eu permaneço sendo eu, aqui, aprendendo de mim e dos outros, crescendo e moldando-me, no entanto portando a mesma essência do meu eu, que é única, irrepetível, e só minha. Só eu.

“Todas as belezas contêm, assim como todos os fenômenos possíveis, algo de eterno e algo de transitório, de absoluto e de particular. A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é apenas uma abstração empobrecida na superfície geral das diferentes belezas. O elemento particular de cada beleza vem das paixões, e como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza particular.”
Charles Baudelaire



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